O primeiro encontro do Movimento dos Focolares com um grupo cultural ligado às religiões tradicionais aconteceu quando um grupo de focolarinos médicos chegou à República dos Camarões, nos anos 1960.

Em 1966 alguns médicos e enfermeiras dos Focolares entram em contato com o povo Bangwa, de Fontem, uma localidade no interior da floresta ocidental dos Camarões. O objetivo é comunitário: ajudar uma população atingida pela malária e outras doenças tropicais, com um índice de 90% de mortalidade infantil. Com a ajuda de muitas pessoas, e junto com os Bangwa, constrói-se um hospital, uma escola, uma igreja, muitas casas… tem início a primeira mariápolis permanente dos Focolares na África.

Chiara Lubich visita Fontem em 1969. Muitos anos depois, em 1998, recordará aquela viagem, falando a 8000 membros do Movimento, reunidos em Buenos Aires: “Eu estava em Fontem e ainda não havia a Mariápolis permanente, que hoje em dia é bastante grande, não sei quantas são as casas… Ainda não existia nada. Havia a floresta onde morava uma tribo. Recordo que esses africanos, numa clareira, prepararam uma festa para mim (…). Naturalmente, era uma festa típica deles. As várias esposas do Fon, do rei, dançavam para mim, etc. Naquele vale, junto a todas aquelas pessoas que festejavam a minha presença, porque eu tinha mandado para lá os primeiros focolarinos médicos, eu tive a impressão de que Deus abraçava a todos, embora essa tribo não fosse cristã, pois a grande maioria era animista. Eu pensei: “Aqui Deus abraça a todos! É como na Cova da Iria, em Portugal, onde viram o sol descer e envolver todos. Também aqui Deus abraça a todos”.

Voltando daquela primeira viagem, Chiara respondeu assim aos jovens focolarinos da escola de formação, em Loppiano (Itália): Nós, ocidentais, somos muito retrógrados e se não nos despojarmos da mentalidade ocidental não conseguiremos viver em sintonia com os tempos de hoje, porque a nossa mentalidade representa uma parte, um terço, um quarto da mentalidade do mundo. Na África, por exemplo, existe uma cultura única, esplêndida, profunda! Deveríamos ir ao encontro das culturas. Não somos completos se não “somos humanidade”. Somos humanidade quando contemos dentro de nós todas as culturas.”

Por ocasião de outra viagem à África, em 1992, referindo-se à inculturação, Chiara afirma: Antes de tudo a arma potente é o ‘fazer-se um’, que significa? Significa aproximar-se do outro completamente vazios de nós mesmos, para entrar na sua cultura, entendê-lo e deixar que ele se exprima, até que você o terá compreendido interiormente; no momento em que o tiver compreendido é que poderá abrir com ele o diálogo e transmitir também a mensagem evangélica por meio das riquezas que ele já possui. O ‘fazer-se um’ que a inculturação requer é entrar na alma, na cultura, na mentalidade, na tradição, nos costumes, compreendê-los e fazer emergir delas as sementes do Verbo

Outro momento que assinala uma etapa importante na projeção do Movimento rumo ao diálogo com outros credos, é quando Chiara recebe, em 1977, o Prêmio Templeton, para progresso da religião. “Ela recorda isso, sempre em 1998, em Buenos Aires: “Estávamos em Londres, na Guidhall…e me pediram para falar nesta grande sala; estavam presentes pessoas de todos os credos…E ali [experimentei] o mesmo fenômeno, a impressão de que Deus abraçava todos…”

No ano 2000 Chiara visita Fontem pela última vez. O povo Bangwa, através do Fon, a entroniza como “Mafua Ndem” (Rainha em nome de Deus). É a primeira vez que uma mulher estrangeira e “branca” torna-se parte daquele povo. Em 2008, ano do seu falecimento, foi celebrado para ela um funeral próprio de rainha. Durante a escola de religiões tradicionais, organizada pelo primeiro focolarino bangwa, que precedeu o funeral, os focolarinos foram introduzidos na “floresta sagrada” (lefem), um forte sinal de pertença a esse povo. Ainda naqueles dias, Maria Voce (atual presidente dos Focolares) foi reconhecida como “sucessora no trono”.

Na África tiveram início as “escolas de inculturação”, para aprofundar o conhecimento das várias culturas.

Na América Latina, as Mariápolis com o povo Aymara (Bolívia e Peru), e no Equador, com o povo afro de Esmeralda; a interessante experiência da “Escola Aurora”, no norte da Argentina, com uma ação de formação e recuperação das tradições culturais e religiosas das populações dos Andes, nos vales “calchaquíes”. E ainda, em outros pontos do planeta, como na Nova Zelândia, com os aborígenes maori.

Uma espiritualidade, em resumo, que mira não apenas à unidade dos cristãos, mas, por meio do diálogo, à unidade de toda a família humana.

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