Jesus falava do Reino de Deus às multidões que acorriam. Fazia isto com palavras simples, com parábolas tiradas do dia-a-dia. E, no entanto, o seu falar exercia um fascínio especial. O povo se encantava com o seu ensinamento, porque ele ensinava como quem tem autoridade, não como os escribas. Inclusive os guardas enviados para prendê-lo, ao serem questionados pelos sumos sacerdotes e pelos fariseus por que não tinham cumprido ordens, responderam: “Ninguém jamais falou como este homem”.
O Evangelho de João nos apresenta também luminosos diálogos individuais, com pessoas como Nicodemos ou a samaritana. Com os seus apóstolos Jesus vai ainda mais em profundidade: fala abertamente do Pai e das coisas do Céu, sem recorrer mais a figuras; eles se sentem conquistados, e não voltam atrás nem mesmo quando não compreendem completamente as suas palavras, ou quando elas parecem ser exigentes demais.
“Esta palavra é dura”, responderam-lhe alguns discípulos quando o ouviram dizer que lhes daria o seu corpo para comer e o seu sangue para beber.
Jesus, vendo que os discípulos se retiravam e não iam mais com ele, dirigiu-se aos doze Apóstolos: “Vós também quereis ir embora?” .
Pedro, que já se sentia vinculado a Jesus para sempre, fascinado pelas palavras que tinha ouvido pronunciar por ele desde o dia em que o encontrara, respondeu em nome de todos:

«A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.»

Pedro tinha entendido que as palavras do seu Mestre eram diferentes das palavras dos outros mestres. As palavras que vão da terra para a terra pertencem à terra e têm o destino da terra. As palavras de Jesus são espírito e vida porque vêm do Céu. Elas são uma luz que desce do Alto e tem a potência do Alto. As suas palavras possuem uma densidade e uma profundidade que as outras palavras não têm, sejam elas de filósofos, de políticos, de poetas. São “palavras de vida eterna” porque contêm, expressam e transmitem a plenitude daquela vida que não tem fim, porque é a própria vida de Deus.
Jesus ressuscitou e vive. E as suas palavras, embora pronunciadas no passado, não são uma simples recordação, mas são palavras que ele dirige hoje a todos nós e a cada pessoa de todos os tempos e de todas as culturas. São palavras universais, eternas.
As palavras de Jesus! Devem ter sido a sua maior arte, se assim podemos dizer. O Verbo, falando com palavras humanas: que conteúdo, que intensidade, que inflexão, que voz!
“Um dia – conta-nos, por exemplo, Basílio Magno -, como que despertando de um longo sono, olhei a luz maravilhosa da verdade do Evangelho e descobri a vaidade da sabedoria dos príncipes deste mundo.”
Teresinha do Menino Jesus escreve, numa carta de 9 de maio de 1897: “Às vezes, quando leio certos tratados espirituais… o meu pobre e pequeno espírito não demora em se cansar. Fecho o livro dos sábios, que despedaça a minha cabeça e resseca o meu coração, e tomo em mãos a Sagrada Escritura. Então, tudo se torna luminoso para mim; uma só palavra descortina horizontes infinitos à minha alma e a perfeição me parece fácil”.
Sim, as palavras divinas saciam o espírito, feito para o infinito; iluminam interiormente não só a mente mas todo o ser, porque são luz, amor e vida. Elas dão a paz – aquela que Jesus define sua: “a minha paz” – inclusive nos momentos de inquietação e de angústia. Dão alegria plena, mesmo em meio à dor que por vezes atormenta a alma. Dão força sobretudo quando sobrevém a perplexidade e quando nos desencorajamos. Libertam porque abrem o caminho da Verdade.

«A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.»

A frase deste mês nos lembra que o único Mestre que queremos seguir é Jesus, mesmo quando as suas palavras podem parecer duras ou exigentes demais: ser honesto no trabalho; perdoar; preferir colocar-se a serviço do outro em vez de pensar de modo egoísta em si mesmo; permanecer fiel na vida familiar; assistir um doente terminal sem ceder à idéia da eutanásia…
São muitos os mestres que nos propõem soluções fáceis, concessões. Queremos escutar o único Mestre e segui-lo, a ele, o único que diz a verdade, que tem “palavras de vida eterna”. Assim também nós poderemos repetir essas palavras de Pedro.
Neste período de Quaresma, em que nos preparamos para a grande festa da Ressurreição, devemos colocar-nos efetivamente na escola do único Mestre e tornar-nos seus discípulos. Também em nós deve nascer um amor apaixonado pela palavra de Deus. Vamos acolhê-la com atenção, quando ela é proclamada nas igrejas; vamos ler a Palavra, estudá-la, meditá-la…
Mas nós somos chamados sobretudo a vivê-la, de acordo com o ensinamento da própria Escritura: “Todavia, sede praticantes da Palavra, e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos”. É por isso que nós, a cada mês, consideramos uma Palavra em especial, deixando que ela nos penetre, nos modele, “seja ela a nos viver”. Vivendo uma palavra de Jesus, vivemos todo o Evangelho, porque em cada uma de suas palavras ele se doa inteiramente, é ele mesmo que vem viver em nós. É como se uma gota de sabedoria divina d'Ele, do Ressuscitado, lentamente fosse escavando-nos por dentro e substituindo o nosso modo de pensar, de querer, de agir em todas as circunstâncias da vida.
 
Chiara Lubich

 

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