É um programa de vida concreto e essencial. Só ele já bastaria para criar uma sociedade diferente, mais fraterna, mais solidária. Ele faz parte de um amplo projeto que o Apóstolo propõe aos cristãos da Ásia Menor.
Naquela comunidade foi alcançada a paz entre judeus e gentios, os dois povos até então divididos que representavam a humanidade.
A unidade, doada por Cristo, deve ser sempre reavivada e traduzida em comportamentos sociais concretos, inteiramente inspirados pelo amor mútuo. Daí a razão por que Paulo dá estas orientações sobre como devemos nos relacionar:

«Sede bondosos e compassivos, uns para com os outros, perdoando-vos mutuamente, como Deus vos perdoou em Cristo»

“Sede bondosos…”: ser bom, querer o bem do outro. É “fazer-nos um” com ele, aproximar-nos dele estando completamente vazios de nós mesmos, dos nossos interesses, das nossas idéias, dos muitos preconceitos que ofuscam o nosso olhar, para tomar sobre nós os seus pesos, suas necessidades, seus sofrimentos, para compartilhar as suas alegrias.
É entrar no coração daqueles que encontramos para entender a sua mentalidade, sua cultura, suas tradições e, de certo modo, fazê-las nossas; para entender realmente aquilo de que estão precisando e saber colher os valores que Deus derramou no coração de cada pessoa. Numa palavra: viver por quem está ao nosso lado.

“Sede compassivos…”: a compaixão. Acolher o outro tal como ele é; não como gostaríamos que fosse: com um caráter diferente, com as mesmas idéias políticas nossas, com as nossas convicções religiosas e sem os tais defeitos ou modos de fazer que tanto nos incomodam. Não. É preciso dilatar o coração e torná-lo capaz de acolher a todos na sua diversidade, com os seus limites e misérias.

“… perdoando-vos mutuamente”: o perdão. Ver o outro sempre novo. Mesmo nas convivências mais agradáveis e serenas, na família, na escola, no trabalho, nunca faltam os momentos de atrito, as divergências, os desencontros. Às vezes se chega a não falar mais um com o outro, ou a evitar-se, isso quando não se estabelece no coração um verdadeiro ódio contra os que têm um ponto de vista diferente. A conquista mais forte e exigente é procurar ver cada dia o irmão e a irmã como se fossem novos, novíssimos, esquecendo-se completamente das ofensas recebidas e cobrindo tudo com o amor, com uma anistia total do nosso coração, imitando desta forma Deus, que perdoa e esquece.
E enfim, alcançamos a paz verdadeira e a unidade quando vivemos a bondade, a compaixão e o perdão não apenas como pessoas isoladamente, mas em conjunto, na reciprocidade.
E assim como acontece numa fogueira, onde as brasas são sufocadas pela cinza se não forem remexidas, da mesma forma as relações com os outros podem ser sufocadas pela cinza da indiferença, da apatia, do egoísmo, se não reavivarmos de tempo em tempo os propósitos de amor mútuo, os relacionamentos com todos.

«Sede bondosos e compassivos, uns para com os outros, perdoando-vos mutuamente, como Deus vos perdoou em Cristo»

Essas atitudes precisam ser traduzidas em fatos, em ações concretas.
O próprio Jesus demonstrou o que é o amor quando curou os doentes, quando saciou a fome das multidões, quando ressuscitou os mortos, quando lavou os pés dos discípulos. Fatos, fatos: isso é amar.
Lembro de uma mãe de família africana: viu a própria filha Rosângela perder um dos olhos, vítima da agressividade de um garoto que a feriu com um pedaço de pau e ainda continuava caçoando dela. Nem o pai nem a mãe do menino tinham pedido desculpas pelo acontecido. O silêncio, a falta de relacionamento com essa família a deixavam angustiada. “Fique tranqüila – dizia Rosângela, que já tinha perdoado –, ainda tive sorte: pelo menos posso ver com o outro olho!”

“Um dia, de manhã – conta a mãe de Rosângela –, a mãe daquele garoto mandou me chamar porque estava passando mal. A minha primeira reação foi: ‘Essa não! Ela tem tantos outros vizinhos, e agora vem pedir ajuda logo a mim, depois de tudo o que seu filho fez conosco!’
Mas na hora me lembrei de que o amor não tem barreiras. Corri até a sua casa. Ela abriu a porta e desmaiou nos meus braços. Levei-a para o hospital e lá fiquei até que os médicos a atendessem. Depois de uma semana, quando ela teve alta, veio até em casa para me agradecer. Procurei acolhê-la de todo o coração. Consegui perdoá-la. Agora o relacionamento se recompôs. Ou melhor, começou totalmente novo”.
Podemos preencher também o nosso dia com serviços concretos, humildes e inteligentes, expressões do nosso amor. Veremos crescer ao nosso redor a fraternidade e a paz.

Chiara Lubich

 

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