Movimento dos Focolares

Argentina: de cavalos e boiadeiros

Ago 28, 2015

O testemunho do empresário argentino Aldo Calliera, da Economia de Comunhão, na apresentação da Cátedra Livre de Economia Civil, da Universidade de Córdoba.

Todos os dias, no mundo inteiro, milhares de pessoas acordam para viver a experiência de uma economia solidária. Aldo Calliera é proprietário da empresa El Alba, do setor de pecuária, inserida no projeto da Economia de Comunhão (EdC), em Santiago del Estero, no norte da Argentina. Para o povo do campo o trabalho começa muito cedo, para quem vem de longe até antes do amanhecer. Tem os seus ritos e a “matera” é um deles. Antes de começar o dia prepara-se o mate, infusão típica da América do Sul, que é tomado “na roda”. A cada giro contam-se os casos, problemas e sucessos, as histórias de um ou de outro, e assim o corpo vai se esquentando na medida em que são tecidos liames de amizade entre os companheiros de labuta. O empresário não queria perder essa antiga tradição dos gaúchos argentinos e começou a ir muito cedo, ele também, para a matera; mas, com surpresa, viu que quando ele chegava a conversa esmaecia e a roda ficava em silêncio. E assim, um dia depois do outro. Os gaúchos são educados numa cultura em que quando o patrão chega automaticamente todos param de falar, não por descontentamento, mas porque desde os tempos da conquista, e até hoje, durante muitas gerações foi inculcada a ideia de que o operário é inferior ao patrão. Cada vez ele ia embora com a sensação de ter levado um murro no estômago e com o coração apertado por não ter sido capaz de atravessar aquele muro. Mas a sua tenacidade fez com que, pouco a pouco, todos se abrissem, e assim apareceram as palavras e os nomes. De todos, exceto um: Ernesto. Um dia estava programando “o serviço”, que é o lugar e a hora do acasalamento, em vista do nascimento de novos bezerros. Depois de tudo planejado, o engenheiro que estava com ele estava saindo para dar as ordens aos operários, mas Aldo o deteve dizendo: “Deixe que eu mesmo falo com os meus homens”. E assim explicou-lhes o que se desejava fazer e, ao invés de limitar-se a dar instruções, pediu o parecer deles. Ernesto, de quem o empresário mal conhecia a voz, pela primeira vez falou: “Acho que no ano que vem não teremos bezerros”. Dupla surpresa para Aldo que logo perguntou o porquê disso. A resposta foi simples: no terreno onde haviam programado o serviço não havia água suficiente para todos os animais. Podemos pensar que qualquer um teria dito isso, mas, nesta cultura o hábito é dizer ao patrão: “sim, senhor”, mesmo se se pensa o contrário. «Entendi que somente possuindo uma visão antropologicamente otimista do outro – reflete Calliera – é possível que emerja o melhor de cada um. Que só assim é possível ver riquezas que para outros permanecem escondidas, e buscar a melhor maneira para que venham à tona. Porque as riquezas de cada pessoa são virtudes que se descobrem se existe a confiança recíproca». Nem é preciso dizer que o empresário escutou o conselho de Ernesto, mudando o lugar do “serviço”, e que tudo funcionou muito melhor. A “matera” foi a ocasião para dar um salto cultural que ajudou todos a construírem relacionamentos de reciprocidade que nem os trabalhadores, nem seus pais, nem seus avós, jamais teriam imaginado. Fonte: EdC online

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