Movimento dos Focolares

Um povo em fuga

Ago 27, 2018

Desde o início da grave crise que a Venezuela está atravessando, o fluxo ininterrupto de pessoas em fuga está entrando em choque com o enrijecimento das regras de entrada nos países limítrofes. A comunidade dos Focolares no Peru não detém a acolhida. A narrativa de Silvano Roggero, do Focolare de Lima.

«Segundo dados confiáveis, só durante o dia 11 de agosto, 5100 venezuelanos atravessaram a fronteira entre Equador e Peru. Um recorde que supera o de maio passado, quando em um dia houve 3700 novas chegadas. Por esse motivo, o Equador declarou um estado de emergência migratória». Roggero, nascido na Venezuela, de pais italianos, conhece bem a América Latina, onde vive há quase 40 anos, atualmente na capital peruana, onde está desde 2015. Não só Brasil, Colômbia, Equador e Peru, mas também países mais distantes, como Chile e Argentina, e até o Uruguai, deparam-se com um êxodo epocal, que segundo muitos observadores ameaça provocar naquela área uma das maiores crises humanitárias dos últimos decênios. As novas normas para o ingresso no Equador e no Peru há poucos dias passaram a impor aos cidadãos venezuelanos a apresentação de um passaporte, impossível de obter nestes tempos, no lugar da carteira de identidade. «Trata-se de uma realidade dificilmente compreensível se não é vivida em primeira pessoa. Os venezuelanos que fugiram para o Peru poderiam ter chegado a 400 mil pessoas. Fugiram de um país oprimido por uma crive gravíssima, onde falta tudo, e estão aqui para procurar um trabalho e manter o resto da família que ficou na Venezuela. Mas a custo de grandes sacrifícios. Estão dispostos a qualquer coisa, muitas vezes passam fome, viajam até três ou quatro horas de ônibus todo dia para ganhar poucos dólares. Muitos dormem no chão e passam frio porque não tem nem um cobertor, ou tomam banho com água fria. Mas, pelo menos, sabem que quem ficou na Venezuela (esposa, filhos, irmãos, avós…) tem um teto e pode, de alguma forma, sobreviver com os poucos dólares que recebem de fora. Hoje, as “remessas” vindas de fora são uma voz muito importante na economia venezuelana». As comunidades dos Focolares há vários meses procuram acolher as pessoas que chegam, indicadas por parentes ou amigos ou com quem entram em contato das mais variadas formas. «Importante para nós – diz Silvano – é que encontrem uma atmosfera de família. Se depois podemos compartilhar a comida, algum casaco, remédios, um cobertor ou orientações para obter o visto de permanência temporário, melhor ainda. No dia 12 de agosto nos reunimos pela terceira vez no Focolare de Lima, junto ao Centro Fiore, uma das nossas sedes operacionais. Éramos 23 pessoas e dois terços eram venezuelanos. Antes de tudo, com os que queriam, participamos da Missa. Depois oferecemos um almoço em duas grandes mesas. Antes de nos despedirmos assistimos a um vídeo com a apresentação de Chiara Lubich, porque a maioria dos presentes não conhecia o Movimento. Um momento sempre comovente é quando são distribuídas as roupas arrecadadas generosamente pela comunidade local. Demos boas risadas quando um dos presentes viu que um outro vestia o seu casaco, pego por engano como uma das peças “disponíveis”. Essa alegria inusitada escondia, no entanto, realidades muito duras e todo tipo de histórias dolorosas, vividas antes, durante ou depois da fuga da Venezuela. Falar sobre elas ou escutá-las tornou-se para eles um instante de liberação. A alguém que precisava com urgência, pudemos proporcionar, enquanto isso, alguns ciclos na máquina de lavar roupas. Dois roqueiros, amigos de um dos convidados, chegaram lá por acaso. Ao sair, tocados pelo relacionamento que tinham visto entre nós todos, nos definiram como “pessoas de qualidade”. Parece que esta definição, no mundo dos roqueiros ao menos na Venezuela, seja o melhor elogio possível. E não terminou ali: de uma das pessoas de quem menos se esperaria veio o convite a fazer uma oração final, todos em círculo, de mãos dadas, realmente significativo! Naquela noite viemos a saber que a ONU estima que 2,3 milhões de venezuelanos já fugiram de seu país, desde o início da crise. Temos, portanto, ainda muito trabalho a fazer. E por um bom tempo».

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