Movimento dos Focolares
Espiritualidade da unidade: Jesus Abandonado

Espiritualidade da unidade: Jesus Abandonado

Ave Cerquetti, 'Crocifissione' - Lienz (Austria) 1975

No ano 2000, num discurso, Chiara Lubich recorda a primeira “descoberta” de Jesus Abandonado: «Por um fato acontecido nos primeiros meses de 1944, tivemos uma nova compreensão sobre Ele. Por uma circunstância viemos a saber que o maior sofrimento de Jesus, e portanto o seu maior ato de amor, foi quando, na cruz, experimentou o abandono do Pai: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Ficamos profundamente tocadas com isso. E a jovem idade, o entusiasmo, mas principalmente a graça de Deus, nos impulsionaram a escolher justamente Ele, no seu abandono, como via para realizar o nosso ideal de amor. Desde aquele momento pareceu-nos encontrar o seu semblante em toda parte». Outro momento determinante para a compreensão desse “mistério de dor-amor”. Estamos no verão de 1949. Igino Giordani foi encontrar Chiara, que tinha ido para o Vale di Primiero, na região montanhosa do Trentino (Itália), para um período de repouso. Com o primeiro grupo vivia-se intensamente a passagem do Evangelho sobre o abandono de Jesus. Foram dias de luz intensa, tanto que no final do verão, devendo descer daquele “pequeno Tabor” para voltar à cidade, Chiara escreveu, num só ímpeto, um texto que inicia com verso que tornou-se célebre: «Tenho um só esposo sobre a terra, Jesus abandonado… Irei pelo mundo buscando-o, em cada instante da minha vida». Muitos anos depois ela explicou: «Desde o início entendemos que em tudo existe uma outra face, que a árvore tem as suas raízes. O Evangelho lhe cobre de amor, mas exige tudo. “Se o grão de trigo caído na terra não morre – lê-se em João – permanece só; se morre produz muito fruto” (Jo 12,24). A personificação disso é Jesus abandonado, cujo fruto foi a redenção da humanidade. Jesus crucificado! Ele havia experimentado em si a separação dos homens de Deus e entre si, e tinha sentido o Pai distante. Nós o vimos não apenas nas nossas dores pessoais, que não faltaram, e nos sofrimentos dos próximos, muitas vezes sós, abandonados, esquecidos, mas em todas as divisões, os traumas, as separações, as indiferenças recíprocas, grandes ou pequenas: nas famílias, entre as gerações, entre pobres e ricos, às vezes na própria Igreja, e mais tarde entre as várias Igrejas, e depois ainda entre as religiões e entre quem crê e quem possui uma convicção diferente. Mas todas estas dilacerações – continua Chiara – não nos assustaram, pelo contrário, pelo amor a Ele abandonado, elas nos atraíram.  E foi Ele que nos ensinou como enfrentá-las, como vivê-las e ajudar a superá-las, quando, depois do abandono, recolocou o seu espírito nas mãos do Pai: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46), dando assim a possibilidade para que a humanidade se recompusesse, em si mesma e com Deus, e indicando-lhe o modo de fazê-lo. Ele manifestou-se como chave da unidade, remédio para qualquer divisão. Era Ele que recompunha a unidade entre nós, cada vez que era rompida. Era Ele que reconhecíamos e amávamos nas grandes, trágicas divisões da humanidade e da Igreja. Ele se tornou o nosso único Esposo. E a nossa convivência com um tal Esposo foi tão rica e fecunda, que me levou a escrever um livro, como uma carta de amor, como um canto, um hino de alegria e gratidão a Ele».

Espiritualidade da unidade: Jesus Abandonado

Na Itália a emergência gera solidariedade

As enchentes que atingiram a Itália, especialmente nas regiões Ligúria e Toscana, causaram mortos, feridos e enormes danos. Vilarejos ficaram isolados por dias e a situação ainda é crítica. O Consórcio Tassano, empresa da Economia de Comunhão, entrou em ação, empresários e funcionários juntos, para unirem-se à onda de solidariedade e aos grandes esforços para reduzir os estragos. Maurizio Cantamessa, presidente do Consórcio Tassano Serviços Assistenciais, que possui várias estruturas nas regiões atingidas, conta: «Três prédios foram atingidos, de modos diferentes, dois ficaram completamente isolados e pode-se imaginar o que isso causou para os abastecimentos, as mudanças de turno do pessoal. Para ter uma ideia, quando telefonei ao presidente do Grupo Tassano, na sexta feira de manhã, ele estava descascando batatas para o almoço dos moradores, porque ele mesmo tinha ficado preso no prédio. Em Brugnato, na casa que hospeda 133 idosos, a água atingiu um metro de altura, e por isso, logo que foi possível corremos para lá». «Encontramos lama por todo lado e tivemos que tirá-la com pás, parecia uma situação quase surreal, um vilarejo coberto de lama e pessoas que andavam no meio dela. Saímos de Sestri Levante com cerca de vinte pessoas e no prédio já encontramos membros da proteção civil que estavam trabalhando. Girando pela vila havia muitos outros que acudiam, nos lugares mais diferentes, as pessoas interagiam e se ajudavam, viam-se cenas não comuns». «Quando acontecem esses desastres nos encontramos numa sociedade transformada. As pessoas agem com disposição para ajudar e tudo é diferente. Vi um carro no meio da rua, que atrapalhava a passagem, e as pessoas que desciam de seus carros para ajudar o motorista; e um pequeno acidente entre dois carros no qual cada um dos motoristas queria assumir a culpa. Parecia uma sociedade revertida. Claro, não desejamos outras enchentes, mas constatamos que, às vezes, desastres como esses fazem com que desabroche nas pessoas o seu lado mais bonito». «Durante o sábado e o domingo trabalhamos o máximo, para conseguir levar os hóspedes para os quartos, porque momentaneamente tinham sido transferidos, com vários desconfortos. Isso não quer dizer que tudo já esteja no lugar, mas estamos prosseguindo». De Antonella Ferrucci Fonte: WWW.edc-online.org

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O fruto da Redenção

Ressurgindo da morte Jesus aparece às mulheres vindas ao sepulcro, e lhes diz: «Não tenhais medo, ide e anunciai aos meus irmãos…». No momento conclusivo deu aos discípulos o nome de irmãos. Como apresentou-se então apresenta-se também agora, como irmão: o primogênito. Ao ressurgir vencera a morte e recuperara a fraternidade. Tinha vindo à terra para reestabelecer a paternidade do Pai, descera ao inferno para vencer o inimigo dos homens, agora declarava a fraternidade reconstituída dos filhos, na família de Deus.

O mundo hoje é dominado pelo medo e o egoísmo. E qual o resultado disso? […] A humanidade sofre porque entre povo e povo, classe e classe, indivíduo e indivíduo, a vida não circula, ou circula com fadiga. E vida são as riquezas e a religião, a ciência e a técnica, a filosofia e a arte… Mas, por sua vez, filosofia, arte, técnica, ciência e bens econômicos não circulam se o amor não dá o impulso, não desentrava os caminhos e supera as divisões. A própria religião deve ser liberada, deve ser redimida a cada instante das incrustações, limitações e fraturas operadas pelas culpas dos redimidos. A circulação dos bens não acontece quanto e como deveria ocorrer, porque os homens não se reconhecem mais como irmãos, ou seja, não se amam.

O homem que nos molesta no trem, que passa por nós na calçada, desdenhoso ou distraído ou enigmático, o homem que desfrutamos na oficina ou nos campos ou no banco da justiça e do dinheiro, nós não o vemos como irmão. O homem que rejeitamos, porque de outra classe ou fé, não nos parece filho do nosso Pai. No máximo parece-nos um filho ilegítimo, digno de comiseração. O homem a quem disparamos na guerra ou que atira em nós, não nos parece um irmão, é como um dispositivo homicida. A criatura que traficamos para a nossa luxúria não vive como nossa irmã. É carne à venda, que vale menos do que o dinheiro com o qual se paga. Vista assim, a sociedade parece um leprosário.

Cada divisão, cada discórdia é uma barreira para a passagem do amor: e o amor é Deus, e Deus é a única vida. E se a vida não passa a morte estagna.

[…] Se Deus fosse exclusivamente Força, Honra, Temor, teria permanecido uma pessoa só, não teria gerado um Filho, nem ressuscitado uma criação. Teria se fechado em si mesmo, não se teria aberto. Mas o amor é trinitário, é um círculo: Pai, Filho, Espírito Santo. […] A Trindade é Três e Um. Três que se amam e fazem Um; Um que se distingue em Três para amar. Infinito jogo de amor. À imagem e semelhança da Trindade, as criaturas racionais também descobrem no amor um impulso a gerar outra vida. […] O amor é expressão de Deus para com a criação, e é o retorno do Eu a Deus, através do irmão.

[…] Esse movimento é circular, parte da nascente e volta à foz. Chega-se a Deus se existe o irmão, chega-se ao irmão se existe Deus. Eu existo se existe Deus, se existe o irmão: sem eles eu não teria razão de ser, do momento que a minha razão de ser é amar.

[…] Cristo pôs de novo em circulação todos os tesouros da vida, na esfera do amor, com o qual nos transmite calor, luz, inteligência, para nos abrir o caminho que leva à unidade, onde encontra-se Deus.

E obteve isso vindo entre nós, habitando entre nós, fazendo-se um dos nossos, até que morreu para nos redimir. A Redenção, da mesma forma como nos libertou das divisões nos reuniu a Deus. Cristo recolocou Deus em nós e nós em Deus. Por isso ordenou que nos amássemos, porque onde está o amor ali está Deus, «Deus é amor, e quem está no amor está em Deus e Deus nele» (1 Jo 4,16).

Igino Giordani, O Irmão, Città Nuova, 2011.

Espiritualidade da unidade: Jesus Abandonado

Uma Mariápolis permanente para a Holanda

A trinta minutos de carro do aeroporto de Eindhoven, encontra-se a Mariápolis permanente dos Focolares na Holanda, “Marienkroon” (Maria Coroada). Falta pouco para a chegada e os carros que conduzem Maria Voce e Giancarlo Faletti são literalmente cercados por uma nuvem de bicicletas sonorizadas, decoradas com balões e pequenas luzes. Já escureceu quando chegamos ao arco de ingresso, acompanhados por este cortejo. O pesado portão está fechado e será aberto por Maria Voce, simbolicamente, com uma grande chave. Ao entrar um grande gramado, cercado pelas construções do ex-mosteiro cisterciense que, em dez anos,, foi restaurado em grande parte, para adaptá-lo às exigências de um moderno centro de cultura e espiritualidade. A trompa ressoa enquanto é hasteada a bandeira do Movimento, com a estrela dourada de quatro pontas sobre fundo azul. Um momento simples, íntimo e pleno de significado. Cada um dos moradores da Mariápolis deseja dar, pessoalmente, as boas vindas à presidente e ao copresidente. Em seguida visita-se todo o conjunto, frequentemente visitado por escolas e associações que desejam conhecer suas características e sua vida. Os eventos culturais, que acontecem regularmente, são muito apreciados pelos moradores da região circunstante. Além de outras coisas aqui são realizados, todos os anos, a feira do livro, uma semana de férias para adolescentes, leilões de plantas, além de diversos encontros de espiritualidade. Existe ainda uma torre, um pequeno lago, duas estalas, uma capela e um pequeno cemitério, que, além dos padres que nos precederam, acolhe também os quatro primeiros habitantes que já partiram para o céu. Situada no centro da Holanda, a Mariápolis de Marienkroon atrai pessoas de todo tipo: jovens e adultos, cristãos e pessoas de outras religiões ou sem um referencial religioso. Em 2000, após uma busca de mais de dez anos, o Movimento adquiriu dos Padres Cistercienses o terreno e as construções, pelo valor simbólico de um euro. Ainda hoje dois padres moram aqui, juntamente com o cardeal Simonis, como três amigos do Movimento. Para os próximos anos estão previstos outros trabalhos de restauração, a fim de tornar a Mariápolis cada vez mais moderna e funcional, e que corresponda à profecia de Chiara Lubich, que visitando a Holanda, em 1982, disse: “Antes de tudo devemos mostrar a vida de uma comunidade, o lugar onde procura-se viver o Evangelho juntos. Isso atrai a atenção, depois a evangelização acontece por si mesma”. Do enviado: Giulio Meazzini