Movimento dos Focolares

Brasil, para além da polarização político-ideológica/2

Fev 26, 2019

A imagem de um país impregnado de disputas políticas e ideológicas, amplamente difundidas pela mídia brasileira em geral, tende a esconder a realidade daqueles que agem pelo bem comum, enfrentando as divergências de opinião através do diálogo e com ações concretas de solidariedade.

A imagem de um país impregnado de disputas políticas e ideológicas, amplamente difundidas pela mídia brasileira em geral, tende a esconder a realidade daqueles que agem pelo bem comum, enfrentando as divergências de opinião através do diálogo e com ações concretas de solidariedade. Embora sendo marcado por uma forte polarização político-ideológica, o Brasil cultiva, na maior parte silenciosamente, os germes de uma sociedade renovada aberta ao diálogo, solidária, lançada na direção da construção de relações de fraternidade. No espaço político e no sociocultural mais amplo. Após ter falado das iniciativas postas em campo pelos mais variados órgãos, eclesiais e não, para promover uma reflexão política fundamentada no diálogo – entendida como resposta à solicitação crescente de uma nova cultura democrática e participativa – queremos agora pôr em luz o empenho de muitos no campo da solidariedade e do voluntariado. Frequentemente, de fato, a ação política é guiada por um senso de solidariedade com aqueles que sofrem. Desde 2016, quando o governo do Estado do Rio de Janeiro começou a retardar o pagamento dos salários dos funcionários públicos, além da luta nos tribunais e dos numerosos atos políticos de protesto contra este recurso, emergiu uma rede de solidariedade a favor dos trabalhadores e das suas famílias que sofreram mais por causa desta situação. Os gestos se multiplicaram em todo o Estado, seja por parte de indivíduos seja de coletividades. Para ajudar as famílias em dificuldades uma série de organizações se mobilizaram para angariar recursos e preparar cestas básicas, para adquirir medicamentos e satisfazer outras necessidades primárias. A Arquidiocese e as outras dioceses católicas do Rio de Janeiro, assim como outras igrejas e uniões cristãs, operaram em colaboração com o assim chamado Movimento Unificado dos Funcionários Públicos do Estado (Muspe). Uma situação semelhante viu cerca de 40 entidades brasileiras, entre religiosas e civis, trabalhar juntas para acolher refugiados provenientes sobretudo da Venezuela. Alguns destes entes realizam ações de emergência (oferta de alimentos e medicamentos, tratamentos médicos e psicológicos), enquanto outros ajudam a obter a residência no Brasil através do acesso à documentação necessária, cursos de língua portuguesa, alojamento e trabalho. Estas entidades foram particularmente ativas na região de fronteira entre os dois países, mas também em outras regiões para onde foram enviadas famílias de refugiados na tentativa de oferecer a elas melhores oportunidades de trabalho e de alojamento. Iniciativas deste tipo refletem o desejo de muitos brasileiros de “alcançar” continuamente aqueles que têm mais necessidade de ajuda. É talvez este impulso que justifica os dados da pesquisa “Other Forms of Work”, conduzida em 2017 e recentemente publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo esta pesquisa, 7,4 milhões de pessoas fizeram voluntariado naquele ano, o equivalente de 4,4% da população de 14 anos ou mais. Por voluntariado os pesquisadores entendem o trabalho não obrigatório, realizado pelo menos uma hora por semana, sem receber uma retribuição ou benefícios em troca, por pessoas que não vivem na mesma família do voluntário e não são a sua família. Sempre segundo a pesquisa, o perfil dos voluntários no Brasil descreve principalmente mulheres que junto com as atividades de voluntariado se ocupam de trabalho profissional e doméstico. Outro exemplo que vem do Movimento dos Focolares é Milonga, um programa que põe em contato as organizações não governamentais de caráter social de sete países com jovens que querem integrar a própria formação humana com o voluntariado, doando o seu tempo e o seu trabalho. Em outubro de 2018, 75 voluntários do projeto trabalharam em 19 organizações no Brasil, Argentina, Bolívia, México, Paraguai, Venezuela, Uruguai, Quênia e Jordânia. “Aprendi que a essência da vida não é ter, mas ser. Às vezes estamos cheios de muitas coisas, mas o que conta de verdade são as que permanecem na eternidade do momento presente”, disse Rarison Gomes, 30 anos, originário de Manaus.  A experiência do voluntariado coincide com um certo protagonismo juvenil em crescimento entre os adolescentes brasileiros que desejam passar da reflexão política à ação. Um exemplo significativo é a experiência do Coletivo Juventude Campo Cidade, nascido mais de dez anos atrás a partir de uma conversa entre amigos na cidadezinha de Poço Redondo, no interior do Estado de Sergipe, no nordeste do Brasil. Alguns destes jovens já eram ativos em movimentos sociais no Alto Sertão Sergipano, como é chamada aquela região. Motivados pelo processo eleitoral de 2008, estes adolescentes decidiram dar vida a um programa de formação política para os jovens da região. Embora sem recursos e com escasso apoio, o grupo organizou um curso em 11 etapas com a duração de um ano e meio. Na origem do projeto uma clara tomada de consciência: era necessário se formar, conhecer a realidade, para assumir o protagonismo social na região. “Havia a sensação de querer transformar a sociedade e isto amadureceu em cada fase do curso”, diz Damião Rodrigues Souza, um dos idealizadores da iniciativa. No final do primeiro curso, os jovens concluíram que a experiência iniciada ali deveria continuar se baseando em três pilares: formação, organização e luta. O último destes pilares se concretizou numa série de iniciativas que produziram resultados eficazes: a instalação de um campus de uma universidade pública federal na região; a construção de um teatro popular com uma capacidade de 200 pessoas na cidade de Poço Redondo (construído pelos próprios jovens); a concessão por parte do governo federal de um pedaço de terra, até então inativo, a ser destinado para o cultivo de produtos biológicos pelos jovens. Mesmo se isolados e dispersos ao longo dos mais de oito milhões de quilômetros quadrados do Brasil, estes e muitos outros exemplos de diálogo e participação política, assim como de ação concreta para a construção de uma sociedade justa e fraterna, testemunham um quadro muito mais sadio do que aquele da simples polarização política em que grande parte da sociedade brasileira foi conduzida. Para os protagonistas destas ações, a esperança está na convicção de que os exemplos e os frutos concretos estejam em condições de capturar “seguidores” e de potencializar este protagonismo, fundamental para unir as pessoas em prol do bem comum e indo além das diferenças político-ideológicas.

Luís Henrique Marques

___

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Subscrever o boletim informativo

Pensamento do dia

Artigos relacionados

7 de dezembro: doação e luz

7 de dezembro: doação e luz

No dia 7 de dezembro de 1943, enquanto a chuva e o vento enfureciam, Chiara Lubich entrou na igreja dos Frades Capuchinhos em Trento (Itália), para se consagrar a Deus para sempre, ela e o sacerdote que a acompanhava como diretor espiritual, sem mais ninguém. Desposava Deus. Todavia com esse ato ela abriria um novo caminho. Que tal ler e ouvir as palavras com as quais Chiara Lubich mesma recordou aquele dia?

Sempre Avante!

Sempre Avante!

No dia 28 de novembro, faleceu o bispo luterano alemão Christian Krause, ex-presidente da Federação Luterana Mundial (LWF). As memórias de monsenhor Brendan Leahy, coordenador dos Bispos amigos do Movimento dos Focolares.