Movimento dos Focolares

Não mais “Ilha do Inferno”

Dez 27, 2006

Da decisão em fazer da vida uma “santa viagem” nasce uma comunidade protagonista do próprio desenvolvimento social e político: a experiência de um jovem brasileiro

 «A mensagem do Evangelho vivida por pessoas que partilharam tudo conosco, procurando juntos os meios para o nosso sustento, tornou-se um fato que nos libertou interiormente; abriu-nos um horizonte novo, levou-nos a fazer da vida uma “santa viagem”, tornando-nos agentes da transformação do nosso ambiente social» Nasci e moro na ilha que agora é chamada Santa Terezinha, na periferia de Recife. Cerca de 30 anos atrás o seu nome era “Ilha do Inferno”, devido à grave degradação na qual se encontrava. Desde então o Movimento dos Focolares desenvolve nessa comunidade uma ação de promoção social, e, ao mesmo tempo, espiritual e cultural. Através dessa experiência vivida juntos nasceu a Associação dos Moradores da Ilha Santa Terezinha, da qual fui o presidente por cinco mandatos consecutivos, com o objetivo de ajudar os habitantes a viverem uma experiência comunitária e se tornarem protagonistas do próprio desenvolvimento. O lema que escolhemos é a frase do Evangelho: “procurai antes de tudo o Reino de Deus e a sua justiça…”. Colocando a nossa força em Deus, o Evangelho tornou-se uma espécie de bússola na nossa vida, isso porque, vivendo num país com um sistema capitalista, e, naquela época, ainda sob o regime militar, quase todas as comunidades eram orientadas a partidos que tinham a luta como única proposta para a superação das desigualdades sociais. Nós, ao contrário, estávamos sempre abertos ao diálogo com os administradores públicos, independente de suas correntes partidárias, manifestando com clareza as posições que adotávamos como comunidade. As conseqüências foram desenvolvimentos e conquistas: o saneamento de uma área que antes estava sempre alagada por causa das chuvas ou da maré alta; a construção de casas, inclusive com o apoio do Estado, para resolver o problema da habitação e para combater o analfabetismo foi aberta uma escola que hoje conta mais de 600 alunos. Em colaboração com a prefeitura de Recife, e com a ajuda de entidades alemãs, foi aberto um ambulatório, fundamental para diminuir os índices de mortalidade infantil. Abrimos ainda um centro para a recuperação da infância desnutrida. Para combater o desemprego criamos uma empresa de material de construção em cimento, que dá trabalho a sete pais de família. Por meio das adoções à distância surgiu uma associação de sustento à infância e adolescência, que realiza um trabalho de prevenção, com atividades que ocupam as crianças e adolescentes no tempo livre do horário escolar, dando-lhes uma formação humana e cívica. O respeito e o reconhecimento das autoridades competentes não tardaram: não conheciam a experiência evangélica que estavam na base do nosso modo de viver, mas nos viam como uma comunidade organizada e um povo que sabe lutar. O amor que nos impulsiona é um convite a crescer, a melhorar. Não podemos nos contentar com aquilo que vivemos ontem. Com a abertura democrática surgiram novos sistemas de participação, como o “Balanço preventivo participativo”, segundo o qual as comunidades elegem os próprios representantes para poder discutir com a prefeitura sobre a utilização de uma parte dos recursos financeiros, que são determinados pelo prefeito e a câmara municipal. A cidade de Recife é dividida em seis áreas, chamadas “Regiões político-administrativas”, e são eleitos os representantes que atuam neste balanço participativo, no total, 470 delegados das comunidades. Durante uma assembléia fui eleito delegado para a minha região, para representar não só a minha comunidade mas várias outras vilas, nas negociações. Exercendo essa função pude esforçar-me para viver as palavras do Evangelho: “tudo aquilo que fizestes ao menor, a mim o fizestes”, vendo Jesus em cada pessoa. Isso pode ser fácil quando se trata de alguém da minha comunidade, mas é muito mais difícil quando é alguém que nem sempre age de acordo com as necessidades dos menos favorecidos. Eu devia trabalhar pela minha comunidade, mas, ao mesmo tempo, manter o relacionamento com todos, e não apenas por diplomacia. Um dia, durante uma reunião, estávamos discutindo sobre a repartição dos financiamentos. Os delegados presentes queriam incluir somente as localidades representadas por aqueles que estavam participando da reunião. Recordando que devemos “amar a pátria do outro como a nossa”, e, nesse caso, amar a comunidade do outro como a nossa, disse que não era justo sacrificar uma comunidade somente porque os seus representantes não estavam presentes, e que deveríamos considerar não só as nossas necessidades mas também as dos outros. A minha proposta foi acolhida. Numa outra ocasião, quando eu não pude estar presente por motivos de trabalho, foi constatado que os fundos destinados a uma praça da Ilha Santa Terezinha não eram suficientes. Mesmo sem a minha presença os outros delegados determinaram que uma parte dos recursos deles seria utilizada na nossa praça. Foram muitos os resultados desse trabalho conjunto: conseguimos asfaltar as principais ruas da Ilha, além de construir a praça; conseguimos obter equipamentos para o nosso posto de saúde e patrocínios para as manifestações culturais. E ainda, em outros bairros da cidade de Recife, conseguimos ativar várias obras, juntamente com outros delegados do balanço participativo. (J. – Recife)

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