A três anos de seu falecimento saiu a primeira biografia de Chiara Lubich, escrita por Armando Torno para a editora Città Nuova. Um livro que, por escolha, opta por um tom não hagiográfico, para descrever aquela que, seguramente, é uma das existências mais extraordinárias do século XX. Uma narração suave, construída por meio dos depoimentos das focolarinas e dos focolarinos que estiveram mais próximos de sua fundadora. Um relato que, deliberadamente, coloca no mesmo plano os eventos humanos e as experiências místicas de Chiara, respeitando, desse modo, o seu caráter reservado, a sua capacidade de estar no centro de tudo e, ao mesmo tempo, desaparecer como pessoa.
Eu a encontrei pessoalmente uma única vez, dia 8 de março de alguns anos atrás, no Palácio do Quirinal, onde estava chegando para receber uma importante condecoração do presidente da República Italiana. Entrou sorrindo, como sempre, sem preocupar-se se nenhum dos presentes parecia reconhecê-la ou dedicar-lhe honrarias. A mim, que me dirigi a ela emocionada, reservou um sorriso tímido e doce, e dispensou, com simplicidade, qualquer tentativa minha de avisar os responsáveis do cerimonial que ela tinha chegado.
A biografia respeita este seu comportamento humilde e reservado, profundamente disponível ao contato humano, mas não totalmente indiferente à notoriedade e à ribalta, que também a tocavam. A tal ponto que se percebe a importância de Chiara na história do último século, quase mais através da cronologia comparada, muito bem feita, que se encontra no apêndice do volume, e que revela a riqueza das formas de agregação que ela criou no interior do mundo católico, da sua extraordinária capacidade de construir momentos de encontro e de verdadeiro diálogo com expoentes e fieis de outras religiões, da fecundidade espiritual que marcou a sua vida interior.
Uma fecundidade que sempre compartilhou com as suas irmãs e irmãos mais próximos, e depois com todos os que revelam disponibilidade à escuta, consciente de que os tempos nos quais vivia exigiam uma partilha imediata daquilo que ela, instrumento de Jesus, chegava a compreender, iluminada pelo Espírito Santo. Iluminações que nasciam da leitura constante da Sagrada Escritura: “Cada vez que Chiara abria o Evangelho descobria nele a profundidade daquelas palavras de vida eterna, que nunca antes tinha encontrado”.
Deste modo Chiara antecipou o que a cultura católica descobriria depois: o ingresso na linguagem espiritual da palavra amor, até aquele momento reservada, sobretudo, aos discursos mundanos; a ideia da espiritualidade da unidade, que se transforma numa apaixonada forma de diálogo entre as religiões e uma resposta à “noite cultural” da humanidade. Sem jamais preocupar-se que fosse relembrada a sua função de precursora.
A proposta de uma nova evangelização, segundo suas palavras, “não significa somente que o mundo secularizado” precisa dela, mas também que “a evangelização deve ser feita de maneira nova”. E dedica todas as suas energias na busca dessa maneira nova. Os encontros, até aqueles aparentemente secundários, transformam-se, graças a ela, em novos caminhos e novos projetos, alargando cada vez mais a rede de envolvimentos no seu ideal: a santidade ao alcance de todos. O seu movimento abre-se a todos os âmbitos, numa ótica universal, com uma atenção especial à cultura e aos meios de comunicação, enquanto a sua vida interior dá um impulso novo aos estudos teológicos.
Mas certamente o aspecto de novidade mais forte, que marcou a sua existência, é justamente o seu ser mulher, uma mulher que dá uma marca fortemente feminina a cada obra sua, basta pensar no nome mais conhecido do movimento que ela fundou (oficialmente Obra de Maria), que evoca o lar (focolare), espaço tradicionalmente feminino. Começa cercando-se de mulheres, que em seguida sabem abrir-se à necessária presença masculina, e dá disposições de que o movimento seja sempre presidido por uma mulher.
Inclusive a espiritualidade da Obra toma uma forma feminina, representando a presença mística de Maria na Igreja. Desse modo, com a sua extraordinária experiência, Chiara – que fala nas assembleias dos bispos, é escutada pelos Papas, é recebida com as honras de um chefe de estado nos países que visita – realiza aquilo que os tempos exigem da Igreja: reconhecer a importância da função das mulheres.
Mas obtêm isso sem reivindicar direitos, sem nenhuma rigidez. O obtêm demonstrando saber merecer aquela autoridade que a ela é reconhecida, como o foi para as grandes santas da história da Igreja. A sua importância no catolicismo do século XX é também a prova de uma revolução feminina realizada no silêncio e na modéstia. Resta a missão de reconhecê-la.
De Lucetta Scaraffia
(©L’Osservatore Romano 25 de março de 2011)
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