Amatrice_clocktower«Aquele relógio da torre cívica de Amatrice, que marca 3 horas e 36 minutos, é uma imagem forte para dizer o que aconteceu esta noite.

Aquele minuto foi o último para muitas vítimas, será um minuto relembrado para sempre porque marcado na carne e no coração de seus familiares, e será recordado pelo nosso país, cuja história recente é também uma série de relógios parados para sempre, pela violência dos homens ou pela violência da terra.

Eu também o recordarei para sempre, porque este grito da terra chegou até a casa dos meus pais, em Roccafluvione, a cerca de vinte quilômetros de Arquata do Toronto, aonde eu os estava visitando.
Uma longa noite de medo, sofrimento, pensamentos em Amatrice, Arquata, Acumuli, vilarejos da minha infância, próximas aos povoados dos meus avós, lugares aonde, no verão, eu acompanhava meu pai, que trabalhava como vendedor ambulante de galinhas.
E muitos e muitos outros pensamentos, que nunca nos vem, porque surgem somente nas noites tremendas.

Pensava que aquele tempo medido até as 3h36 do relógio da torre, que estava lá, parado, morto, era apenas uma dimensão do tempo, aquela que os gregos chamavam kronos, mas que era só a superfície, o chão do tempo. No mundo existe o nosso tempo administrado, domesticado, construído, usado para viver.Mas abaixo existe um outro tempo: é o tempo da terra. Este tempo não-humano, às vezes desumano, comanda o tempo dos homens, das mães, das crianças.Amatrice
E pensava que não somos nós os patrões desse tempo, mais profundo, abissal, primitivo, que não segue o nosso passo, às vezes é contra os passos de quem caminha sobre ele.
E quando, nestas noites terríveis, percebemos aquele tempo diferente sobre o qual nós caminhamos e construímos a nossa casa, nasce uma certeza totalmente nova de ser “erva do campo”, irrigada e nutrida pelo céu, mas também engolida pela terra.

A terra, a verdadeira, não a romântica e ingênua das ideologias, é ao mesmo tempo mãe e madrinha. O húmus gera o homo, mas faz também com que volte a ser pó, às vezes bem e no momento propício, outras vezes mal, cedo demais, com demasiado sofrimento.

O humanismo bíblico sabe muito bem disso, e por isso lutou muito contra os cultos pagãos dos povos vizinhos, que queriam fazer da terra e da natureza uma divindade: a força da terra sempre fascinou os homens que buscaram compra-la com magia e sacrifícios.
E assim, enquanto procurava, inutilmente, conciliar o sono, eu pensava nos tremendos livros de Jó e do Eclesiastes, que talvez possam ser entendidos nessas noites. Aqueles livros nos dizem que nenhum Deus, nem mesmo o verdadeiro, pode controlar a terra, porque até Ele, uma vez que entra na história humana, é vítima da misteriosa liberdade da sua criação.

Nem mesmo Deus pode explicar-nos porque as crianças morrem esmagadas por antigas pedras dos nossos vilarejos, e não pode nos explicar porque não sabe, porque se o soubesse seria um ídolo monstruoso. Deus, que hoje olha para a terra dos três As (Arquata, Accumuli, Amatrice), pode apenas colocar-se as nossas mesmas perguntas: pode gritar, calar, chorar conosco.
E talvez recordar-nos, com as palavras da Bíblia, que tudo é vaidade das vaidades: tudo é vapor, sopro, vento, nevoa, desprezo, nada, efêmero.
Vaidade, em hebraico, escreve-se hebel, a mesma palavra de Abel, o irmão morto por Caim. Tudo é vaidade, tudo é um infinito Abel: o mundo está cheio de vítimas.

Isto nós podemos saber. O sabemos, e vezes demais o esquecemos. Estas noites e dias terríveis nos fazem recordar».

Luigino Bruni

Fonte: Città Nuova

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