Movimento dos Focolares

Renascer das trevas: um apelo à unidade

Jun 9, 2025

Nos dias da festa de Pentecostes, celebra-se nos países do hemisfério sul a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Mayara Pazetto, uma jovem teóloga pentecostal do Brasil, conta a história que a levou a empenhar-se e a promover o diálogo entre as várias Igrejas cristãs.

De um contexto familiar de divisão, nasci de um adultério do meu pai e permaneci em segredo por muito tempo, experimentando ainda pequena, um “abandono temporário de paternidade”.

Por esse motivo, sentia que minha história era obscura. O que não imaginava, era que Jesus começaria um processo de conversão radical na vida do meu pai, que o levaria a se tornar um pastor pentecostal.

Este, sem dúvidas, poderia ter sido um motivo para que de alguma forma eu me afastasse da fé. Contudo, não foi isso o que aconteceu. Diante da experiência de abandono, eu só conseguia perguntar-me por aquele amor, que mesmo diante da dor de uma criança, havia alcançado a vida do meu pai. Por vezes, me questionava: “que amor é esse capaz de atravessar a dor que estou sentindo?”. Aos 16 anos, em um cruzeiro de formatura da escola, encontrei esse amor. Numa das noites, sentada na parte de cima do navio, a voz do Senhor falou claramente ao meu coração: “você não nasceu para fazer o que seus amigos fazem, Mayara, você é minha”. Nos desdobramentos do que se iniciou ali, me tornei uma jovem pentecostal convicta.

Aos 19 anos, ingressei na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil) para cursar teologia. Numa história daquelas que só o Espírito é capaz de escrever, me tornei presidente do Centro Acadêmico e da Comissão dos Estudantes de Teologia do Estado de São Paulo. Fiquei muito amiga dos seminaristas, tive contato com muitas dioceses, ordens religiosas e, em minha casa, se tornou comum a presença de sacerdotes. No começo, minha mãe brincava dizendo: “nunca imaginei que teria tantos padres em minha casa, Mayara”.

Por essa vivência, decidi escrever minha tese de conclusão sobre a unidade dos cristãos, mas quando comecei a pensar sobre o caminho que gostaria de seguir, muitas coisas aconteceram e me levaram a refletir sobre minha história familiar; passei por um processo profundo de perdão e reconciliação. E assim foi, enquanto perdoava, escrevia. A todo instante minha memória me lembrava o quanto uma família dividida poderia machucar, mas eram nestes momentos que o Senhor também me perguntava: “E a minha família, a Igreja”? Era necessário unir o meu abandono ao de Jesus.

“Decidi escrever minha tese de conclusão sobre a unidade dos cristãos (…) e muitas coisas aconteceram e me levaram a refletir sobre minha história familiar; passei por um processo profundo de perdão e reconciliação”.

Na foto: Mayara durante o Congresso Ecuménico
em Castel Gandolfo, em março de 2025

Partindo do patrimônio comum da Sagrada Escritura, concluí esta etapa dolorosa escrevendo sobre o tema: “O Espírito e a Esposa dizem: vem! A figura da Esposa como resposta profética à unidade da Igreja”. Foi este passo que me levou ao diálogo católico-pentecostal: à Comissão da Unidade da Renovação carismática católica de São Paulo e a Missão Somos Um.
Fundada por leigos, no contexto de uma comunidade católica (Coração Novo-RJ), a Missão Somos Um tem como base uma carta de intenções, assinada por lideranças católicas e evangélicas. A carta está redigida em quatro pilares que carregam a essência do que cremos: o respeito às identidades confessionais, a eclesialidade, o não- proselitismo e a cultura do encontro. Há uma semana no calendário oficial da cidade do Rio de Janeiro, intitulada “Semana Somos Um”. Em razão disso, recebemos com surpresa o reconhecimento de Patrimônio Cultural e Imaterial.
De modo prático, a Missão reúne lideranças católicas e evangélicas pentecostais, num propósito comum: anunciar a unidade dos cristãos. Para isso, muitos discernimentos foram tomados, entre eles, um diálogo teológico, viabilizado na constituição de um Grupo de Trabalho (GT) Católico-Pentecostal, em nível nacional. O grupo de teólogos católicos e pentecostais tem por objetivo, refletir teológica e pastoralmente a experiência carismático- pentecostal, a partir da realidade brasileira e, em alguma medida, Latino-Americana. Recentemente, publicamos o primeiro relatório, fruto dos nossos encontros, acerca dos dons do Espírito Santo. Em 2022 surge o trabalho da Missão Jovem Somos Um, grupo que me dedico com afinco e que tem todo o meu coração e serviço. Por essas razões, contemplo a Missão Somos Um como um sinal de esperança. Primeiro, por toda comunhão vivenciada, segundo, porque minha história pessoal se entrelaça a ela sem deixar dúvidas.

Comissionados a sermos “Peregrinos da Esperança”, queria concluir essa partilha, com algo que o meu pai diz ao contar a história da nossa família (os Pazetto). Ele repete inúmeras vezes, que ela foi gerada entre dores e feridas, mas inundada no amor infinito de Deus: “a tribulação se fez vocação”. Quando meu pai vislumbra essa realidade, ele sempre cita Romanos 5:20: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça de Deus”. Parafraseando esse texto bíblico, nesta “Semana de Oração Pela Unidade dos Cristãos”, no ano do Jubileu e da celebração de tantas recorrências importantes como o Concílio de Niceia, encorajo-me a pensar que: em meio a tantas feridas abundantes em toda a história da Igreja, Deus certamente faz superabundar Sua esperança.

Mayara Pazetto
Foto: © CSC Audivisivi

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3 Comments

  1. VAUDETE MARIA BUENO

    Fiquei edificada com esta experiência e como o Amor de Deus transformou a vida desta família, gerando muitos frutos.

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  2. Ana Fátima Athias

    Gratidão pelo testemunho de esperança através do perdão e reconciliação. Muito interessante, a essencia dos relacionamentos no grupo Missão Somos Um. É um sinal de esperança no caminho do diálogo ecumênico

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  3. WASHINGTON ABADIO DA SILVA

    Maravilha de experiência! Que, na diversidade, todos possam “fazer-se um”! Paz e Bem, Mayara e “herman@s”! (Washington, OFS)

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