Eu o vi de passagem, quando estava entrando correndo no supermercado. Estava lá, quase escondido atrás de uma árvore, come se quisesse se esconder de algo ou de alguém. Eu me dei conta na saída, quando o vi diante de mim. Eu já tinha preparado dois euros para ele, mas sentia-me mal com a ideia de fazer o papel do “doador” que dá um trocado ao “mendigo”. Não somos homens, todos dois? No máximo, com sortes diferentes na vida.
Espontaneamente, quando dei a ele a moeda, quis me apresentar: “Olá, meu nome é Gino, e o seu?”. “Sylvester”, respondeu com a voz embaraçada. “Você está com algum problema?”, perguntei. Depois de um instante de silêncio – mais tarde eu entenderia que se devia mais à incompreensão do italiano do que à vergonha -, “Não, tudo bem”, respondeu.
Não convencido, eu questiono ainda: “Olhe nos meus olhos e me diga se tem alguma dificuldade”. Novamente “tudo bem” é a sua resposta. Quando estava indo para o carro vejo que vem até mim. “Sim, eu tenho um problema: quero trabalhar”. Aperto a sua mão, em sinal de compreensão, e vou embora levando em meu coração aquele olhar e a sua dignidade ferida. Mas não sem antes ter trocado os números de celular, não queremos nos perder. Foi assim que nos tornamos amigos, para além da língua e das diversidades culturais, Sylvester e eu. Um encontro de pessoas, cada uma com a própria dignidade.

A partir daquele dia batalhei de muitas maneiras, com a consciência de que a primeira coisa é ajudá-lo a enfrentar a barreira da língua. Ainda que esteja com os documentos regulares é impossível pensar que possa encontrar um trabalho se não consegue exprimir-se e entender o italiano. Como dizer isso a ele, sem saber a sua língua, e vice-versa? Lembro de um amigo do seu mesmo país e peço que seja o nosso intérprete. E assim nos encontramos na mesa do bar, diante do supermercado, para conversar, com tradutor e cerveja, e conhecer melhor a sua situação.
Antes de sairmos faço a ele um convite: “Lembre Sylvester, nenhum trabalho é pequeno se feito por amor. Você não está aqui para pedir, mas para oferecer uma ajuda a quem precisa, dividir o peso da sacola de compras, encontrar um estacionamento ou um simples carrinho. Deus ama imensamente a você, a mim, a todos. Agora vamos começar a bater, juntos, como o Evangelho ensina. Vejamos se alguma porta se abre. Mas, por enquanto este é o seu trabalho, faça-o de cabeça erguida, sem perder a sua dignidade”.

Na noite seguinte chega uma mensagem dele, no whatsapp: “Boa noite Gino, como está? Espero que você esteja bem, junto com sua família. Obrigado pelo que está fazendo por mim. Deus o abençoe porque você está cuidando de mim. Não vejo a hora de encontrar um verdadeiro trabalho, mas, enquanto isso, farei como você diz, mantendo o olhar alto e limpo. Espero por você”. Eu precisei usar o “google tradutor” para entender a sua mensagem e responder. “Caro Sylvester, obrigado pelas suas saudações. Hoje procurei informações sobre um curso gratuito de italiano. Espero poder lhe dar boas notícias logo”.

Nos dias seguintes fiz a experiência, já conhecida, do quanto é difícil ajudar alguém! Por algum motivo, para mim ainda desconhecido, prevalece sempre a bendita burocracia. Mas decido não me render, até porque, enquanto isso, encontrei outras pessoas dispostas e se aproximarem de Sylvester. Agora não estou só, e ele também não.
Amanhã ele começa as aulas de italiano, primeiro passo para conseguir encontrar um trabalho e assim poder enviar uma ajuda para sua esposa e os dois filhos pequenos, que ficaram no seu país natal. Talvez um dia eles possam voltar a estar juntos. Eu rezo para que seja assim, querido Sylvester!

Gustavo Clariá

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