O salmo que traz esta Palavra de Vida nos lembra que nós somos o povo de Deus e que ele quer nos conduzir, do mesmo modo como um pastor conduz o seu rebanho, para introduzir-nos na terra prometida. Ele, que pensou em nós desde toda a eternidade, sabe como devemos caminhar para viver em plenitude, para atingirmos o nosso verdadeiro ser. No seu amor, ele nos sugere o que devemos fazer e o que não devemos fazer, e nos indica o caminho a ser percorrido.
Deus nos fala como a amigos porque quer introduzir-nos na comunhão consigo. Se alguém ouve a sua voz – diz o salmo na sua conclusão – entrará no repouso de Deus, ou seja, na terra prometida, na alegria do Paraíso.
Também Jesus se compara a um pastor que conduz cada um de nós à plenitude da vida. Ele fala e os seus discípulos, que o conhecem, escutam a sua voz e o seguem. A eles Jesus promete a vida eterna.
Deus faz ouvir a sua voz a cada pessoa. Quem nos lembra isso é o Concílio Vaticano II: “Na intimidade da consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar, a fazer o bem e a evitar o mal, no momento oportuno a voz desta lei lhe soa nos ouvidos do coração: faça isto, evite aquilo. De fato, o homem tem uma lei escrita por Deus em seu coração (…)”.
E quando Deus fala ao nosso coração, o que é que devemos fazer? Devemos simplesmente dar ouvidos à sua Palavra, bem sabendo que, na linguagem bíblica, escutar significa aderir inteiramente, obedecer, adequar-se àquilo que é dito. É como deixar-se tomar pela mão e ser conduzido por Deus. Podemos confiar nele, como uma criança que se abandona à mãe e se deixa carregar nos seus braços. O cristão é uma pessoa guiada pelo Espírito Santo.

«Quem dera que hoje ouvísseis sua voz.»

Logo depois dessas palavras, o salmo continua: “Não endureçais vossos corações”. Também Jesus falou muitas vezes da dureza do coração. É possível opor resistência a Deus, é possível fechar-se a ele e recusar-se a ouvir a sua voz. O coração duro não se deixa modelar.
Às vezes nem sequer se trata de má vontade. O fato é que é difícil distinguir “aquela voz” no meio de tantas outras vozes que ressoam dentro de nós. Muitas vezes o coração está poluído por um excesso de ruídos ensurdecedores: são as inclinações desordenadas que conduzem ao pecado, a mentalidade deste mundo que se opõe ao projeto de Deus, as modas, os slogans publicitários… Bem sabemos o quanto é fácil confundir as próprias opiniões, os próprios desejos com a voz do Espírito em nós e, portanto, como é fácil cair no arbítrio e na subjetividade.
Não devo esquecer jamais que a Realidade está dentro de mim. Devo fazer calar tudo em mim para descobrir a voz de Deus. E é preciso extrair esta voz, do mesmo modo como se tira um diamante do lodo: limpá-la, colocá-la em luz e deixar-se conduzir por ela. Então poderei servir de guia também para outros, porque essa voz sutil de Deus, que incentiva e ilumina, essa seiva que sobe do fundo da alma é sabedoria, é amor; e o amor deve ser doado.

«Quem dera que hoje ouvísseis sua voz.»

Como podemos afinar nossa sensibilidade sobrenatural e nossa intuição evangélica para sermos capazes de colher as sugestões daquela voz?
Antes de mais nada temos que nos reevangelizar constantemente, freqüentando a Palavra de Deus, lendo, meditando, vivendo o Evangelho, de modo a adquirir sempre mais uma mentalidade evangélica. Aprenderemos a reconhecer a voz de Deus dentro de nós na medida em que aprendermos a conhecê-la nos lábios de Jesus: ele é a Palavra de Deus que se tornou homem. É uma coisa que podemos pedir na oração.
Depois, devemos deixar o Ressuscitado viver em nós, renegando a nós mesmos, declarando guerra ao egoísmo, ao “homem velho”, que está sempre à espreita. Isso exige uma grande prontidão em dizer “não” a tudo aquilo que é contra a vontade de Deus e “sim” a todo o seu querer; “não” a nós mesmos no momento da tentação, rompendo com as suas insinuações, e “sim” às tarefas que Deus nos confiou, “sim” ao amor para com todos os próximos, “sim” às provações e às dificuldades que encontrarmos.
Enfim, podemos colher com mais facilidade a voz de Deus se tivermos o Ressuscitado em nosso meio, ou seja, se amarmos até o ponto de o amor se tornar mútuo, criando em todo lugar verdadeiros oásis de comunhão, de fraternidade. Jesus no nosso meio é como que o alto-falante que amplifica a voz de Deus dentro de cada um de nós, permitindo-nos ouvi-la mais distintamente. Também o apóstolo Paulo ensina que o amor cristão vivido na comunidade se enriquece cada vez mais em conhecimento e em todo tipo de discernimento, ajudando-nos a distinguir sempre a melhor opção.
Então a nossa vida estará como que entre duas chamas, duas labaredas: Deus em nós e Deus entre nós. Nesta fornalha divina nós nos formamos e adestramos na arte de ouvir e seguir Jesus.
É bela uma vida guiada o mais possível pelo Espírito Santo. Ela tem sabor, tem vigor, é instigante, é autêntica e luminosa.

Chiara Lubich

 

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