Movimento dos Focolares

Movimentos e novas comunidades: peças preciosas no mosaico da Igreja

No dia 20 de junho de 2022 realizou-se, em Roma, o congresso “A identidade dos Movimentos e das Novas comunidades no caminho sinodal da Igreja”, promovido pela Pontifícia Universidade Lateranense e pelo Instituto Universitário Sophia. Aumentar e aprofundar o diálogo entre os dons hierárquicos e carismáticos, entre Igreja institucional, Movimentos e Novas Comunidades. O augúrio do cardeal Marc Oullet é que estes tempos, caracterizados pelo caminho sinodal, alarguem a consciência dos carismas em todas as comunidades eclesiais. Estas palavras do Prefeito da Congregação para os bispos e Presidente da Comissão Pontifícia para a América Latina, exprimem bem a importante etapa que significou o congresso “A identidade dos Movimentos e das Novas Comunidades no caminho sinodal da Igreja”, realizado ontem na Pontifícia Universidade Lateranense, e promovido juntamente com o Instituto Universitário Sophia. As qualificadas intervenções concentraram-se no caminho e nas questões abertas sobre estas novas expressões do Espírito, que pedem respostas atualizadas e que saibam confrontar-se com um mundo em uma mudança constante e rápida. O cardeal Kevin Farrell, Prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, identificou em quatro pontos os desafios que este caminho apresenta hoje: fidelidade dinâmica ao carisma, unidade, sinodalidade e missionariedade: “As perspectivas novas que o Espírito Santo abre diante de nós apresentam-se sempre como desafios, algo que não deixa tranquilos porque o Espírito é dinamismo, é criatividade, é vida”.

Como atuar, portanto, a necessária atualização a ser feita em muitos âmbitos: formação dos membros, atividades de evangelização, atividades de ajuda e cura das feridas mais profundas da sociedade? As respostas e contribuições apresentadas pelos representantes dos Movimentos e Novas Comunidades, em sua variedade e complementariedade, ofereceram um panorama do estágio atual destas realidades eclesiais.  Margaret Karram, presidente do Movimento dos Focolares, salientou que “neste momento em que a Igreja inteira se orienta a um estilo sinodal, somos chamados a um passo ulterior: caminhar unidos, não apenas dentro das nossas realidades, mas junto com todos”. Somente colocando-se em rede, sendo uma dádiva para a Igreja e para a humanidade, os Movimentos descobrirão de maneira nova a própria identidade. Mary Healy, docente de Sagrada Escritura (Seminário Maior do Sagrado Coração, Detroit, USA), destacou os três principais frutos trazidos pelos Movimentos e Novas Comunidades, a partir do Concílio Vaticano II: formação, evangelização e primado da dimensão carismática; dons trazidos à Igreja e à humanidade, fundamentados no encontro pessoal e comunitário com Cristo. Falando sobre “Os movimentos eclesiais e as novas comunidade, no kairós do atual processo sinodal”, Mons. Piero Coda, teólogo e Secretário Geral da Comissão Teológica Internacional, e docente no Instituto Universitário Sophia, evidenciou um desafio ainda aberto: o caráter provisório da configuração dessas realidades eclesiais, em referência ao seu reconhecimento na ordem canônica. “O cuidado da Igreja nesta fase é um prelúdio para estruturas novas e mais maduras, no atual e dinâmico contexto eclesiológico”.
A alguns representantes dos Movimentos e Novas Comunidades foi confiada a sessão sobre “Fundação, desenvolvimento e encarnação do Carisma”. Moysés Louro de Azevedo Filho, da Comunidade Católica Shalom – fundador e moderador geral da Comunidade, apresentou o espírito e as finalidades desta expressão eclesial que “é portadora de um carisma cuja síntese é a palavra pronunciada por Jesus quando encontra os discípulos no cenáculo: “Shalom, rumo a uma santidade comunitária”. Daniela Martucci, vice-presidente da Comunidade Novos Horizontes colocou em relevo o coração do carisma: a escuta do grito de Jesus Crucificado e Abandonado nos pobres, nos últimos e descartados, assim como o do amor de um Homem Deus que continua a repetir: “amai-vos como eu vos amei”. Iraci Silva Leite, evidenciou a centralidade da Palavra de Deus que orienta a experiência da Fazenda da Esperança; Palavra que “nos une, especialmente no esforço de viver o amor entre nós e de doar a quem sofre a presença de Jesus”. Michel-Bernard De Vregille, da Comunidade Emanuel, abordou o tema das crises que atravessaram e atravessam as realidades eclesiais: “Muitas vezes corre-se o risco de querer contrapor carisma e instituição – ele afirmou. No entanto, a centelha da Igreja hierárquica e institucional, e a centelha do carisma, são feitas para se encontrarem e tornar-se uma linda chama para iluminar o mundo com a presença do Ressuscitado”. Sobre o aspecto da encarnação, o prof. Luigino Bruni, economista, concentrou-se sobre o desafio “narrativo” dos carismas que nascem em um período histórico muitas vezes descrito com modalidades típicas do tempo de fundação. “É preciso atualizar-se juntamente com o carisma – afirmou – sem perder, porém, o contato com o seu núcleo fundamental. Um novo capital narrativo virá do pluralismo das linguagens, dos vários experimentos, do diálogo entre sensibilidades diferentes: jovens e adultos, acadêmicos e pessoas comuns, Igreja e movimentos, etc.”.
Na parte da tarde os trabalhos focalizaram a forma como os carismas podem e devem fermentar todos os aspectos da vida dos membros e das comunidades, dos espirituais aos organizativos, da inclusão de membros de diferentes vocações à formação, até à administração dos bens e a todas as formas de responsabilidade e de governo. A Prof. Elena di Bernardo, ordinária de Direito Canônico (Institutum Utriusque luris, Pontifícia Universidade Lateranense) ofereceu um Excursus altamente qualificado sobre as relações entre teologia e direito canônico, assim como se realizaram e desenvolveram no decorrer do tempo. “Deve-se pressupor que a identidade em si, de um Movimento ou realidade eclesial – ela observou – considere-se plenamente adquirida quando todos os aspectos carismáticos constitutivos dela tenham recebido uma configuração jurídica adequada”. Os trabalhos foram concluídos com a relação da Dra. Linda Ghisoni, Subsecretária do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, intitulada “Leigos hoje na eclesiologia de comunhão”. Ela evidenciou duas polaridades sobre as quais é necessário colocar a atenção: pessoa-instituição e práxis-estatutos. Para a primeira, observou que “a entidade, Movimento ou Nova Comunidade, será preservada se a ela forem garantidos o carisma originário, as finalidades próprias nas quais conjugar oração e apostolado e, principalmente, será preservada se existir o cuidado com as pessoas que a compõem. Este último jamais poderá ser alternativo ao bem da instituição!”. Sublinhando quanto a experiência nos ensine, com sofrimento, que cada vez que se pretendeu preservar o “bom nome” da comunidade, sacrificando as pessoas individualmente e os seus direitos, foram cometidas aberrações, prejudiciais para toda a instituição, e concluiu: “A pessoa no centro, sempre, constitui um investimento sobre a comunidade ou movimento”. A outra polaridade, por sua vez, diz respeito a práxis e estatutos: se é verdade que “a vida, sem dúvida, antecipa qualquer definição normativa”, é verdade também que deve ser evitado todo legalismo ou demonização do direito que, “longe de ser um mal necessário a ser suportado redigindo um elenco de artigos, constitui um via de liberdade para todos: para os membros e para os que são chamados, em primeira pessoa, a serem os seus garantidores, especialmente para quem recobre cargos de governo, em todos os níveis”.

Stefania Tanesini

Chiara Lubich: fixar o coração em Deus

Jesus afirmou que nós já somos purificados em virtude da Palavra que Ele nos anunciou. Portanto, não são tanto os rituais que purificam a alma, mas a Sua Palavra, na medida em que somos capazes de colocá-la em prática. Ela nos conduz a ter sempre o coração fixo somente em Deus. A Palavra de Jesus não é como as palavras humanas. Cristo está presente nela, assim como, embora de outro modo, está presente na Eucaristia. Pela Palavra Cristo entra em nós e, na medida em que a deixamos agir, nos torna livres do pecado e, consequentemente, puros de coração. A pureza, portanto, é fruto da Palavra vivida, de todas aquelas Palavras de Jesus que nos libertam dos chamados apegos, nos quais invariavelmente caímos se não temos o coração fixo em Deus e nos seus ensinamentos. Podem ser apegos às coisas, às criaturas ou a nós mesmos. Mas se o coração está voltado somente para Deus, o resto perde interesse. Para obter êxito nessa tarefa, pode ser útil repetir a Jesus, a Deus, durante o dia, a invocação do Salmo: «És tu, Senhor, o meu único bem»[1]. Experimentemos repeti-la frequentemente e, sobretudo, quando os diversos apegos ameaçarem arrastar o nosso coração para aquelas imagens, sentimentos e paixões que podem ofuscar a visão do bem e nos tirar a liberdade. Gostamos de olhar certas publicidades, de assistir certos programas de televisão? Não. Digamos: «És tu, Senhor, o meu único bem», e este será o primeiro passo que nos fará sair de nós mesmos, ao redeclararmos o nosso amor a Deus. Deste modo, teremos crescido em pureza. Percebemos, às vezes, que uma pessoa ou uma atividade se interpõe, como um obstáculo, entre nós e Deus, poluindo o nosso relacionamento com ele? É o momento de repetir-lhe: «És tu, Senhor, o meu único bem». Isto nos ajudará a purificar as nossas intenções e a reencontrar a liberdade interior. A Palavra vivida nos torna livres e puros porque é amor. É o amor que purifica, com o seu fogo divino, as nossas intenções e todo o nosso íntimo, pois, na linguagem bíblica, o “coração” é a sede mais profunda da inteligência e da vontade. Mas, existe um amor que é um mandamento de Jesus, o qual nos permite viver esta bem-aventurança. É o amor recíproco, o amor de quem está pronto a dar a vida pelos outros, a exemplo de Jesus. Esse amor, pela presença de Deus — o único que pode criar em nós um coração puro[2] —, cria uma corrente, um intercâmbio, uma atmosfera cuja nota dominante é justamente a transparência, a pureza. É vivendo o amor recíproco que a Palavra age com seus efeitos de purificação e de santificação. A pessoa isolada não é capaz de resistir por muito tempo às solicitações do mundo; enquanto, no amor mútuo, encontra o ambiente sadio capaz de proteger a sua pureza e toda a sua autêntica vida cristã.

Chiara Lubich

(Chiara Lubich, in Parole di Vita, Città Nuova, 2017, pag. 616-618) [1]             Cf. Sal 16, 2. [2]             Cf. Sal 50, 12

Evangelho vivido: “És tu o meu Senhor, fora de ti não tenho bem algum” (Sl 16 [15],2)

Dar a Deus um lugar central e ter a certeza de não vacilar. Viver na plenitude o que este salmo exprime é a maior consolação que se possa receber: sentir-nos guiados e saber, no profundo do coração, que somente Ele faz bem todas as coisas. Sementes de paz No nosso condomínio estavam crescendo as reclamações ligadas à administração, aos consertos, ao barulho. Um dia refleti sobre as palavras de um sacerdote: a paz – ele dizia – começa dentro de nós, na consciência, onde está a semente da verdade que é Deus, semente que desabrocha com a caridade colocada em prática nas várias situações da vida. Conversando sobre isso, em família, pensamos em fazer, todo dia, uma pequena melhoria no prédio, mas sem que ninguém visse quem era o autor. Por exemplo, tirar as folhas amarelas das plantas, no ingresso e colocar água nelas, limpar os vidros e as molduras dos quadros, no saguão, que talvez nunca tivessem sido espanados desde que tinham sido colocados ali. Claro, eram funções de quem era pago para as limpezas, mas na primeira reunião de condomínio o síndico comentou que há algum tempo todos sentiam o ambiente mais acolhedor, estavam inclusive surgindo ideias sobre como pintar as escadas. Quando eu contei isso, os meus filhos ficaram entusiasmados. Uma contribuição para melhorar o mundo pode começar até mesmo pelo próprio condomínio. (C. – Croácia) O “fagotto” Desde o início da nossa vida de família, tudo foi sempre colocado em comum. Um dia, minha esposa e eu sentamos juntos para organizar a economia familiar. Muito além de cifras áridas, cada saída e cada entrada assinalavam um crescimento na qualidade da relação entre nós. Envolvemos nisso também os nossos filhos. Sendo assim, tornou-se normal que o par de sapatos que se usava pouco fosse direcionado a alguém que estava precisando, ou que entre as saídas indispensáveis houvesse sempre uma soma para colocar à disposição do próximo em dificuldade. Um passo a mais foi o chamado “fagotto”: estar atentos para não acumular nada que não fosse estritamente necessário. Somente depois percebemos a importância deste ato. Percebemos que tínhamos entrado em contato com muitas pessoas que precisavam de tudo. Até um lápis, um livro, um cobertor, tornavam-se sinal de atenção ao próximo. Este modo de fazer renovou a nossa vida. (L. R. – Holanda) Ter confiança Eu tinha perdido o emprego, mas estava confiante que a Providência de Deus teria feito com que encontrasse outro. Não era verdade que eu tinha experimentado muitas vezes o “dai e vos será dado” (Lc 6,38), como resposta à tentativa de colocar em prática o amor evangélico? Naquele mesmo dia eu deveria contar a minha experiência de vida cristã, na paróquia. Depois de ter mencionado que estava procurando um trabalho, uma jovem que participava do encontro me avisou que na empresa de seu pai estavam procurando um funcionário. Foi assim que, confiando, eu encontrei um trabalho. (F. I. – Itália)

De Maria Grazia Berretta

(Retirado de “Il Vangelo del Giorno”, Città Nuova, anno VIII, n.2, maio-junho 2022)

Novo site dedicado a Igino Giordani

A partir de domingo, 19 de junho de 2022, estará on-line o novo site feito pelo Centro Igino Giordani e dedicado à figura desse escritor e político, cofundador do movimento dos Focolares. Será um espaço completamente renovado, explica Alberto Lo Presti, no qual se poderá encontrar “Foco”, indo ao coração do seu testemunho de vida. “Alguém disse que se o Evangelho desaparecesse de todos os pontos da terra, o cristão deveria viver de tal forma que quem o visse pudesse reescrever o Evangelho. E Giordani foi um desses cristãos.” As palavras de Chiara Lubich, ao descrever a figura extraordinária de Igino Giordani (a quem ela mesma deu o nome de Foco), nos permitem colher a beleza que se esconde por trás da aventura de vida daquele que é considerado um dos cofundadores do Movimento dos Focolares. Herói do século passado e envolvido em várias frentes, da política, à social, à cultural, Giordani ainda hoje dá os seus passos. Quem cuida dessa herança é o Centro Igino Giordani, fundado por Chiara Lubich e estabelecido no Movimento dos Focolares, que no dia 19 de junho de 2022 lançará o novo site. Alberto Lo Presti, que comanda o centro, falou conosco. Professor Lo Presti, como nasceu a ideia de fazer um novo site dedicado a Igino Giordani e quais são as novidades? Vivemos em uma época desafiadora sob muitos pontos de vista: a paz e a guerra, a justiça e as desigualdades, as migrações e o acolhimento, o trabalho e o desemprego… e já que Igino Giordani lidou com esses temas com sabedoria e inspiração, muitos procuram pesquisar em seus discursos, textos, testemunhos para encontrar uma luz que possa orientá-los em suas escolhas atuais. Por isso decidimos potencializar o site, renovando-o completamente, adaptando-o com design e funcionalidades mais modernas. Dessa forma, disponibilizaremos ao público interessado os materiais principais que ilustram seu pensamento e sua vida. De que modo a figura de Foco pode abrir caminhos no momento em que vivemos e servir de inspiração também para as novas gerações? Na respeitosa idade de mais de 70 anos, Igino Giordani era considerado um “mito” por muitos adolescentes que circulavam pelos jardins do Centro Internacional do Movimento dos Focolares em Rocca di Papa (Itália), e o encontravam sentado em um banco. Amavam interagir com ele para falar de coisas profundas ou simplesmente para contar algo de suas experiências. Hoje, os jovens ainda precisam de mitos e heróis, e frequentemente os procuram nos lugares mais impensados (no esporte, no cinema, nos videogames, nas redes sociais, nos influenciadores). Deparar-se com Igino hoje significa conhecer a história de um herói verdadeiro, que realmente lutou uma guerra, que escolheu a paz, que desafiou potências para permanecer coerente com os próprios ideais. Geralmente não se acredita que a juventude seja o tempo dos ideais que, com a maturidade, são destinados a desmoronar. Igino permaneceu jovem até o fim porque, como amava dizer, “nunca se envelhece de espírito”. Enganchar-se na sua presença significa escutar seu ensinamento: viver pelo ideal da unidade foi a coisa mais entusiasmante que lhe aconteceu. E à melhor usabilidade do site e ao seu novo design, soma-se também a criação de uma página no Instagram, o primeiro canal oficial inteiramente dedicado a Igino Giordani (@igino_giodani_official), para entrar em contato com ele, cidadão do mundo e verdadeiro influenciador do nosso tempo.

Maria Grazia Berretta

Juntos, livres de qualquer tipo de prisão

A arte de apoiar uns aos outros não pode ser aprendida nos livros, mas ajudar alguém em seus estudos e dedicar tempo a eles pode ser a oportunidade certa para descobrir maravilhas e colher recompensas inesperadas, mesmo em um lugar como a prisão. Foi o que aconteceu com Marta Veracini, dando-lhe uma nova visão de sua vida. Rir até perder o fôlego enquanto uma voz à distância sussurra para não perturbar; trocar ideias e opiniões na tentativa de encontrar a concentração certa para estudar e permanecer fixo nos livros. É o cenário que se repete diariamente em salas de aulas universitárias, entre as pausas para um café e a aula seguinte. Na realidade, tudo isso e muito mais é o que acontece com Marta Veracini, uma jovem toscana, cada vez que ela ouve as portas blindadas de Dogaia, a prisão de Prato (Florença – Itália), se fecharem atrás dela. Formada em direito com mestrado em criminologia, em 2019, Marta juntou-se ao projeto de Serviço Civil organizado pela Universidade de Florença, através do qual voluntários ajudam os detentos a se prepararem para os exames universitários. Desde então, mesmo após o final do ano, ela continuou a realizar este serviço, ali mesmo, em um lugar que qualquer um teria dificuldade de definir como ‘agradável’, mas que, de forma surpreendente e inesperada, tornou-se um espaço dedicado ao cuidado e à confiança mútua; um lugar onde é a relação que se torna um ‘lar acolhedor’ e onde todos, detentos ou não, podem finalmente ser eles mesmos. “Quando alguém me entrevista”, diz Marta, “sempre me perguntam como é este trazer conforto e ajuda em um lugar como a prisão. A verdade é que ninguém realmente imagina o quanto se pode receber, mesmo nesse contexto. Fazer trabalho voluntário na prisão mudou a minha vida, permitiu-me quebrar as barreiras de minha timidez, minhas inseguranças, e hoje me permite lançar o sorriso que antes eu costumava esconder. Sou eu que tenho que agradecer às pessoas que conheci por tudo o que fizeram e continuam a fazer por mim. Sou verdadeiramente livre com elas”. Uma verdadeira conquista. Há tantas celas que podem nos aprisionar, que podem confinar nossos sonhos, nossos pensamentos, nossas esperanças. A experiência de Marta, compartilhada com a dos detentos que ela teve a sorte de conhecer e ajudar com seus estudos ao longo dos anos, é um exemplo de como, juntos, ainda é possível voar, sentir que você vale alguma coisa e, por que não, pensar no futuro. “O percurso é certamente cansativo para todos”, continua Marta, “mas eles se esforçam muito e é bom ver a coragem e a felicidade que sentem em passar um exame. São grandes pequenas realizações que também os veem confrontados com assuntos difíceis. Muitos deles, por exemplo, estudam Direito e alguns já alcançaram um diploma. Entre eles estão jovens, mas também adultos, de várias regiões da Itália e estrangeiros. É bom ver como eles não estabelecem limites, estimulam um ao outro e se tornam um exemplo um para o outro. Para aqueles com uma pena longa, estudar significa investir energia e tempo para alcançar um resultado que os deixe orgulhosos e faça suas famílias orgulhosas. Aqueles que saem da prisão, por outro lado, têm a oportunidade de fazer uso do que estudaram para recomeçar.” Um olhar de esperança que abraça e permite ser abraçado. As histórias da vida diária dentro das paredes da Dogaia, encapsuladas no livro que Marta escreveu durante a pandemia – “Meu anjo da guarda tem uma sentença de prisão perpétua -, são uma pequena gota no grande mar de indiferença que divide o interior do exterior, um testemunho de como é possível quebrar barreiras gerando beleza, colocando no centro o amor incondicional pelo próximo. “Nunca quis saber as razões pelas quais cada um deles está na prisão”, prossegue Marta, “mas uma coisa é certa, nunca os vi como ‘monstros’, apenas pessoas que, embora com erros por trás deles, têm as mesmas necessidades que os outros, os mesmos sentimentos e o mesmo desejo de se relacionar e compartilhar. Pessoas que têm dignidade como todas as outras e graças a quem eu também encontrei a minha. Em resumo, verdadeiros amigos”.

Maria Grazia Berretta

Um novo olhar sobre o mundo e os outros

O Halki Summit V em Istambul (Turquia) chegou ao fim. Quatro dias de trabalho sobre o cuidado do ambiente, com vista ao futuro do planeta.  No final do Hanki Summit V intitulado “Sustentar o futuro do planeta juntos”,  despedimo-nos numa atmosfera muito familiar. O encontro internacional e interdisciplinar co-organizado pelo Patriarcado Ecuménico e pelo Instituto Universitário Sophia, inspirado pelo magistério profético do Patriarca Bartolomeu e do Papa Francisco, foi unanimemente reconhecido como um evento do Espírito Santo. Não foi por coincidência que os dias do Summit coincidiram com os dias entre as duas datas de Pentecostes das nossas respectivas Igrejas. O confronto sincero, a escuta recÍproca livre e aberta, a troca de dons consubstanciada por reflexões, pesquisas e caminhoseclesiais partilhados, com espanto, levou-nos à consciência de viver um ponto de viragem decisivo para o futuro da família humana, na qual cada um tem uma responsabilidade imprescindÍvel. O desafio e a oportunidade que temos pela frente no nosso caminho comum são certamente os de desenvolver, antes de mais, uma ética ecológica partilhada, implementando – como artesãos da paz e da fraternidade – boas práticas em todos os domínios: da pedagogia à pastoral, do social à política e à economia. A isto temos que acrescentar o compromisso, a um nível puramente cultural, de aprofundar caminhos interdisciplinares para a formação de novos paradigmas de interpretação e transformação da realidade, com vista a superar a cultura do desperdício. Finalmente, tornou-se claro como estas linhas de acção seriam ineficazes sem um compromisso educativo não elitista que preveja um envolvimento eclesial generalizado e convicto. Surgiu um pedido espontâneo para assinar um apelo final dirigido às Igrejas e todos os que cui damdo lar comum. A esperança é que não permaneça sócomo uma bela memória, mas que cada uma reconheça que temos diante de nós um horizonte de luz que requer uma conversão de perspectiva que parte do coração e é alimentada pela sabedoria evangélica. A “cultura ecológica”, diz o Papa Francisco, não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais para os problemas que vão surgindo à volta da degradação ambiental, do esgotamento das reservas naturais e da poluição. Deveria ser um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático. Caso contrário, até as melhores iniciativas ecologistas podem acabar bloqueadas na mesma lógica globalizada. Buscar apenas um remédio técnico para cada problema ambiental que aparece, é isolar coisas que, na realidade, estão interligadas e esconder os problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial. ” (Enc. Laudato Si”, n. º 111).

Vincenzo Di Pilato (Foto: Alfonso Zamuner, Noemi Sanches e Nikos Papachristou)