Movimento dos Focolares
Maria Voce voltou para a casa do Pai

Maria Voce voltou para a casa do Pai

Maria Voce, a primeira presidente do Movimento dos Focolares (Obra de Maria) depois da fundadora Chiara Lubich, deixou-nos ontem, aos 87 anos, em sua casa em Rocca di Papa (Itália), cercada pelo afeto e pelas orações de muitos.

O acontecimento foi anunciado ontem à noite por Margaret Karram, a atual presidente, a todas as pessoas que pertencem ao Movimento dos Focolares no mundo.

Em uma nota, ela expressou a imensa dor pelo falecimento e o vínculo fraterno e filial que a unia a Maria Voce. “Como primeira presidente do Movimento dos Focolares, depois da nossa fundadora, soube administrar com inteligência, clarividência e a necessária determinação a difícil passagem da nossa Obra da fase de fundação à pós-fundação. Soube combinar a sua luminosa fidelidade ao Carisma da Unidade com a coragem de enfrentar os muitos desafios de uma associação mundial como a nossa, que atua em tantos níveis da vida humana, social e institucional.

O nome “Emaús”, recebido como programa de vida de Chiara Lubich, tornou-se também o programa do seu governo: caminhar juntos, de modo sinodal, confiando – apesar dos questionamentos e das perplexidades que podem surgir ao longo do caminho – na presença de Deus entre os seus.

Quando a sucedi como presidente do Movimento dos Focolares em 2021, ela me acompanhou sempre com uma proximidade discreta, mas viva, e com seus conselhos cheios de Sabedoria. Além de sua preparação espiritual, teológica e jurídica, era dotada também de uma humanidade profunda e acolhedora e de um humor envolvente e sempre respeitoso. Sua estatura humana e sapiencial foi reconhecida pelas mais diversas personalidades religiosas e civis: desde o Papa Bento XVI e o Papa Francisco; desde os líderes das várias Igrejas até representantes de outras Religiões e culturas.

Algumas horas antes de sua partida para a outra vida, Jesús Morán e eu pudemos visitá-la pela última vez. Ela estava serena. Consola-me o pensamento de que a Virgem Maria, a quem ela estava ligada por um relacionamento muito profundo, existencial, a esperava no céu, eu diria.”

Jesús Morán, que viveu ao lado de Maria Voce nos primeiros seis anos de seu serviço como Copresidente do Movimento dos Focolares, reconhece que, com a sua eleição, começou uma nova etapa para o Movimento dos Focolares. Escreve: “Ela entrará para a história do Movimento não somente como a primeira presidente da fase pós-Chiara Lubich, mas também como aquela que deu o primeiro passo inovador-organizativo do Movimento na era pós-fundação, em perfeita fidelidade criativa ao carisma”. Em seu primeiro mandato, quando se sentia a ausência de Chiara e isso podia desanimar, viajou pelo mundo para confirmar todas as pessoas das comunidades do Movimento dos Focolares em seu compromisso com um mundo mais fraterno e unido – segundo o carisma da fundadora. Em seu segundo mandato, ela começou a preparar o Movimento para a inevitável fase de “crise” que se anunciava no horizonte, e que o Papa Francisco identificou como uma grande oportunidade. E, a propósito, a grande estima que o papa argentino tinha por ela, demonstrando-o em todas as ocasiões, evidencia outra característica sua: o espírito eclesial.

Sempre admirei a sua sobriedade, a sua liberdade interior, a determinação e a capacidade de discernimento, na qual foi ajudada por uma sólida formação jurídica que lhe era própria.

Obrigado, Emmaus, por dizer um “sim” solene no momento mais difícil de nossa ainda curta história. Maria a terá recebido em seus braços, apresentando-a a seu Filho e, juntos, a terão levado ao seio do Pai, perene fonte de sua inspiração.

I funerali si terranno lunedì prossimo, 23 giugno 2025, alle ore 15.00 presso il Centro internazionale dei Focolari a Rocca di Papa (Roma), via di Frascati, 306 – Rocca di Papa (Roma).(*)

Stefania Tanesini

Nota biográfica

Maria Voce nasceu em Ajello Calabro (Cosenza – Itália) em 16 de julho de 1937, a primeira de sete filhos. Seu pai era médico; sua mãe, dona de casa. No último ano do curso de Direito, em Roma (1959), conheceu um grupo de jovens focolarinos na universidade e começou a seguir a mesma espiritualidade. Depois de terminar os estudos, exerceu a advocacia em Cosenza, tornando-se a primeira advogada da cidade. Mais tarde, estudou teologia e direito canônico.

Em 1963, sentiu o chamado de Deus para seguir o caminho de Chiara Lubich, ao qual respondeu com prontidão. No Movimento, Maria Voce é conhecida como “Emmaus” [Emaús], nome que se refere ao conhecido episódio dos dois discípulos que caminham com Jesus após a ressurreição. Ela mesma conta por que Chiara lhe propôs esse nome: “Chiara confirmou uma intuição que eu tinha sentido muito forte dentro de mim: que minha vida deveria ser vivida para que aqueles que me encontrassem experimentassem Jesus no meio”. Daquele momento em diante, seu compromisso foi construir pontes de unidade, a ponto de merecer a presença de Deus entre as pessoas.

De 1964 a 1972 esteve nas comunidades dos Focolares (Itália) na Sicília, em Siracusa e Catânia, e de 1972 a 1978 fez parte da secretaria pessoal de Chiara Lubich.

Em 1977, Chiara Lubich fez uma importante viagem a Istambul (Turquia), onde há anos cultivava uma profunda relação com o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla. Naqueles anos, Maria Voce esteve em focolare naquela cidade e conta: “Foi uma experiência forte, tanto pelos preciosos contatos com as várias Igrejas, com o Islã, como também porque sentíamos que somente Jesus entre nós nos tornava fortes diante dos muitos problemas daquela terra”.

Em Istambul estabeleceu relações ecumênicas com o então Patriarca de Constantinopla Demétrio I e numerosos Metropolitas, entre os quais o atual Patriarca Bartolomeu I, além de expoentes de várias Igrejas.

Em 1988, Chiara pediu a Emmaus que voltasse à Itália para trabalhar no Centro Internacional de Rocca di Papa e na escola Abbà, centro de estudos interdisciplinares dos Focolares, tornando-se membro em 1995, como especialista em Direito. A partir do ano 2000 é também corresponsável pela Comissão Internacional “Comunhão e Direito”, uma rede de profissionais e acadêmicos envolvidos no campo da Justiça. De 2002 a 2007, colaborou diretamente com Chiara na atualização dos Estatutos Gerais do Movimento.

Em 7 de julho de 2008, poucos meses após a morte de Chiara Lubich, foi eleita presidente do Movimento dos Focolares, e reconfirmada para um segundo mandato em 12 de setembro de 2014. Ela sempre indicou como estilo da sua presidência o compromisso de “dar prioridade aos relacionamentos” e de se empenhar com todas as suas forças para alcançar o objetivo para o qual o Movimento nasceu: buscar a unidade em todos os níveis, em todos os campos, seguindo as vias do diálogo. Ela mesma enfatizou várias vezes a importância do diálogo. “Se há um extremismo da violência”, disse em 2015 nas Nações Unidas, em Nova York, “agora há uma resposta com o mesmo radicalismo, mas de uma forma estruturalmente diferente, ou seja, com o extremismo do diálogo”.

Fez numerosas viagens a todos os continentes para encontrar as comunidades do Movimento espalhadas pelo mundo e para continuar os contatos com personalidades do mundo civil e eclesial, do âmbito cultural e político, ecumênico e inter-religioso; etapas importantes para reforçar os laços de amizade e de colaboração empreendidos pelo Movimento dos Focolares e para favorecer o desenvolvimento no caminho da fraternidade entre os povos.

Durante sua presidência, tanto com o Papa Bento XVI quanto com o Papa Francisco, Maria Voce teve encontros e audiências de onde emergiram expressões de estima e afeto fraterno de ambas as partes. Em 23 de abril de 2010, o Papa Bento XVI a recebeu em audiência privada. Em relação à espiritualidade do Movimento dos Focolares, o Papa falou de “um carisma que constrói pontes, que cria unidade” e incentiva a continuar a atualizá-lo com um amor cada vez mais profundo e na tensão à santidade. Em outubro de 2008, ela participou e falou no Sínodo dos Bispos sobre “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”. Em 24 de novembro de 2009, o Papa Bento XVI a nomeou Consultora do Pontifício Conselho para os Leigos e, em 7 de dezembro de 2011, Consultora do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização.

Em 13 de setembro de 2013, o Papa Francisco a recebeu em audiência com o então copresidente Giancarlo Faletti. Sobre esse momento, Emmaus relembra: “Ele imediatamente nos recebeu com uma enorme acolhida. Fez com que eu me sentisse em casa. Experimentei uma grande alegria: sentir-me diante de um pai, mas, antes de tudo, de um irmão. Eu me senti como sua irmã e esse sentimento sempre permaneceu”.

E in un’altra occasione, ha detto: “Papa Francesco ci ha sempre incoraggiato ad andare avanti, ad accogliere i segni dei tempi per attualizzare il carisma – lui diceva – ricevuto per il bene di molti, dandone gioiosa testimonianza”. Una di queste occasioni è stata la visita del Santo Padre presso la cittadella internazionale di Loppiano (Firenze, Italia) nel 2018. Maria Voce è lì ad accoglierlo: “Santo Padre, abbiamo una meta alta, vogliamo ‘puntare in alto’. Vorremmo Fare dell’amore reciproco la legge della convivenza, che vuol dire sperimentare la gioia del Vangelo e sentirsi protagonisti di una nuova pagina di storia”.

Pasquale Foresi: os anos de trabalho pela encarnação do carisma

Pasquale Foresi: os anos de trabalho pela encarnação do carisma

Depois da publicação da primeira parte da biografia de padre Foresi dedicada ao período inicial de sua vida, saiu também a segunda, das três partes previstas, intitulada: “La regola e l’eccesso” (“A regra e o excesso”, em tradução livre), da editora Città Nuova, que aborda os anos entre 1954 e 1962. O que o senhor acha que, neste volume, emerge como característica notável desse período da vida de Foresi?

Uma nota que caracteriza profundamente a vida e a experiência de Pasquale Foresi nos anos indicados, pode ser expressa deste modo: era um espírito livre, uma pessoa animada por uma tensão criativa entre carisma e cultura, movido pela exigência de traduzir espiritualmente e operativamente a inspiração de Chiara Lubich (o carisma da unidade) e a necessidade, em certo modo, de lhe conferir profundidade teológica, filosófica e institucional, em um contexto eclesial ainda largamente pré-conciliar. O livro o descreve muito bem como ele era continuamente comprometido, ao lado de Lubich, em “encarnar” o carisma de formas compreensíveis para a Igreja do tempo, para o mundo cultural e leigo em geral. Nesse sentido, pode-se chegar a defini-lo, além de um cofundador, também como um intérprete eclesial do carisma, aquele que procurava torná-lo “explicável” nos códigos da Igreja e que provou ser o construtor de pontes entre a dimensão mística de Lubich e a teologia clássica, tornando-a acessível a muitos sem dissolvê-la.

Ao mesmo tempo, Foresi era um intelectual atípico e um pensador original. Mesmo não tendo deixado grandes obras sistemáticas (não tomava isso como tarefa específica), exercitou um forte impacto na Obra de Maria (Movimento dos Focolares), justamente no período de tempo descrito no volume. Este segundo livro documenta uma existência dinâmica, atravessada por um senso de urgência, como se as palavras do Evangelho próprias do desenvolvimento do Movimento dos Focolares devessem ser encarnadas “logo”, sem retorno.

“Don Foresi, um espírito livre, uma pessoa animada por uma tensão criativa entre carisma e cultura”.

O nosso entrevistado, o Prof. Marco Luppi, investigador em História Contemporânea no Instituto Universitário Sophia de Loppiano (Itália)

As mais de 600 páginas do texto tratam não só dos acontecimentos da vida de Foresi no período selecionado, mas tratam também da vida e história de Chiara Lubich e do Movimento dos Focolares daqueles anos, trazendo inclusive histórias e episódios nos quais Foresi não estava presente, como o autor mesmo afirma. Por que foi feita essa escolha editorial?

Zanzucchi inclui eventos e vivências mesmo que não diretamente vividos por Foresi, porque sua figura é inseparável da história do Movimento dos Focolares. Contar o contexto, os protagonistas e as dinâmicas coletivas permite colher o significado da contribuição de Foresi, inserindo-o na trama viva de uma experiência comunitária. Como afirma claramente em sua introdução, Zanzucchi vê em Foresi não só um protagonista, mas um cofundador, ou seja um dos elementos estruturais e constitutivos do Movimento dos Focolares. Como consequência, a biografia de Foresi é inseparável pela biografia do Movimento. Em outros termos, o autor adota uma perspectiva que podemos definir como “biografia imersa”: não uma simples reconstrução individual, mas uma narração relacional e contextual, no qual o sentido da figura de Foresi emerge no diálogo vivo com outros atores (Chiara Lubich, Igino Giordani, personalidades do âmbito eclesial, etc.) e com a história coletiva do Movimento.

O trabalho de Michele Zanzucchi è a primeira biografia sobre Foresi. Quais são os aspectos da vida de Foresi que mereceriam futuros aprofundamentos e abordagens históricas?

Zanzucchi ama dizer que não é um historiador puro, mas em narrador e divulgador atento e escrupuloso e que, portanto, em diversos momentos pegou também uma licença a fim de esclarecer qualquer passagem não muito explícita. Mas este é, com certeza, um trabalho muito importante e um primeiro esforço de restituir-nos a personalidade e a vida de Foresi, com um olhar completo. Trata-se de um olhar e muitos outros podem existir, atravessando aquele mesmo espírito crítico, aberto a múltiplas interpretações, que deve animar a reconstrução da história de todo o Movimento dos Focolares e suas figuras de referência. Entre os muitos aprofundamentos envolvendo possíveis futuras pesquisas sobre Foresi, indicarei três. Uma primeira sobre pensamento teológico e filosófico de Foresi. Zanzucchi evidencia que Foresi não foi um teólogo acadêmico, mas um “visionário cultural”, com uma produção espalhada em artigos, discursos e notas. Portanto, nota-se a falta de uma exposição orgânica de seu pensamento sobre temas-chave como Igreja, sacramentos, relacionamento fé-razão, etc. Além disso, seria estudada a originalidade de seu pensamento eclesial, que antecipa algumas intuições conciliares. Uma segunda pesquisa poderia ser a do papel “político” de Foresi e as relações com o mundo eclesiástico romano. O autor acena repetidamente aos laços de Foresi com a cúria vaticana e algumas personalidades eclesiásticas. Todavia não está ainda muito claro quanto peso Foresi teve nas mediações políticas ou eclesiais do segundo pós-guerra e, portanto, seria útil explorar isso, especialmente nos momentos de tensão com a hierarquia. Enfim, uma terceira frente estimulante poderia ser a estação editorial e o “laboratório cultural” de Città Nuova. Zanzucchi destaca o papel de Foresi como fundador, diretor e inspirador da revista Cidade Nova. Que tipo de “cultura” Foresi procurava propor? Como se posicionava com relação a outras publicações católicas (Civiltà Cattolica, L’Osservatore Romano, Il Regno)? Mais cedo ou mais tarde será útil ter uma monografia também sobre o trabalho de Foresi como editor e jornalista, no contexto da publicação católica nos novecentos.

por Anna Lisa Innocenti
Foto: © Archivio CSC audiovisivi

MilONGa: uma rede de jovens voluntários com impacto global

MilONGa: uma rede de jovens voluntários com impacto global

No mundo, também estão surgindo espaços nos quais a fraternidade é cultivada com propósito. Um deles é MilONGa, um projeto que tem se afirmado como uma iniciativa fundamental no campo do voluntariado internacional, com o objetivo de promover a paz e a solidariedade mediante ações, realizações.

MilONGa propõe uma alternativa concreta: viver a solidariedade a partir de si, mediante experiências que transcendem as fronteiras culturais, sociais e geográficas.

Seu nome, que vem de “Mil Organizações Não Governamentais Ativas”, é muito mais do que um projeto. É uma rede que une jovens com organizações de várias partes do mundo, dando-lhes a oportunidade de se envolverem ativamente em iniciativas sociais, educacionais, ambientais e culturais. Desde a sua criação, o programa cresceu, tecendo uma comunidade global que se reconhece em valores compartilhados: paz, reciprocidade e cidadania ativa.

O que distingue MilONGa não é apenas a diversidade de seus destinos ou a riqueza de suas atividades, mas o tipo de experiência que propõe: uma imersão profunda nas realidades locais, em que cada voluntário e voluntária não está ali para “ajudar”, mas para aprender, fazer uma troca, construir juntos. É um caminho de formação integral que transforma tanto quem o vive quanto as comunidades que acolhem esses voluntários.

Os países onde essas experiências podem ser realizadas são tão diversos quanto os jovens que participam delas, e cobrem diferentes latitudes: México, Argentina, Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Paraguai, Uruguai e Peru, na América; Quênia, na África; Espanha, Itália, Portugal e Alemanha, na Europa; Líbano e Jordânia, no Oriente Médio.

Em cada país, MilONGa colabora com organizações locais comprometidas com o desenvolvimento social e a construção de uma cultura de paz, oferecendo aos voluntários oportunidades de serviço que têm um impacto real e duradouro.

Por trás de MilONGa existe uma sólida rede de alianças internacionais. O projeto é apoiado por AFR.E.S.H., (“África e Europa o mesmo horizonte”), cofinanciado pela União Europeia, o que lhe permite consolidar a sua estrutura e expandir o seu impacto. Além disso, faz parte do ecossistema de New Humanity, organização internacional comprometida com a promoção de uma cultura de unidade e diálogo entre os povos.

Uma história que deixa sua marca

Francesco Sorrenti foi um dos voluntários que viajou para a África com o programa MilONGa. Sua motivação não era apenas o desejo de “ajudar”, mas uma necessidade mais profunda de entender e de se aproximar de uma realidade que ele sentia distante. “Era algo que estava dentro de mim há anos: uma curiosidade profunda, quase uma urgência de ver com os próprios olhos, de tentar me aproximar de uma realidade que eu sentia distante”, diz Francesco sobre essa passagem pelo Quênia.

Sua experiência no Quênia foi marcada por momentos que o transformaram. Um deles foi sua visita a Mathare, uma favela em Nairóbi. “Quando um deles me disse: ‘Veja, meus pais moram aqui. Eu nasci aqui, meus filhos também. Conheci minha esposa aqui e provavelmente morreremos aqui’, senti uma impotência muito forte. Entendi que antes de fazer qualquer coisa, era preciso parar. Eu não estava lá para consertar as coisas, mas para olhar de frente. Para não virar o rosto”.

Ele também experimentou momentos de luz em seu trabalho com as crianças em uma escola local. “A alegria daqueles meninos era contagiante, física. Não eram necessárias muitas palavras: bastava estar ali, brincar, compartilhar. Foi quando entendi que não se trata de fazer grandes coisas, mas simplesmente de estar presente”, diz ele.

Dois anos depois dessa experiência, Francesco ainda sente seu impacto. “Minha maneira de ver as coisas mudou: agora valorizo mais o que realmente importa e aprendi a apreciar a simplicidade. Essa experiência também me deixou uma força, uma tenacidade interior. Você percebe que tem dentro de si uma espécie de resistência, como a que eu vi nos olhos daqueles que, ao amanhecer, queriam fazer tudo, mesmo que não tivessem nada”.

Encontros que multiplicam o compromisso

Em abril de 2025, MilONGa fez parte do congresso internacional “Solidarity in Action, Builders of Peace” que aconteceu na cidade do Porto, Portugal. Esse encontro foi organizado em conjunto pela AMU (Azione per un Mondo Unito), New Humanity NGO e o Movimento dos Focolares de Portugal, reunindo jovens líderes do mundo todo ligados aos programas Living Peace International e MilONGa.

Durante três dias, o Porto tornou-se um laboratório de diálogo e ação, no qual os jovens participantes trocaram experiências, partilharam boas práticas e construíram estratégias conjuntas para reforçar o seu papel como agentes de paz. MilONGa desempenhou um papel fundamental, não só com a participação ativa dos seus voluntários, mas também mediante a criação de sinergias com outras redes de jovens comprometidas com a transformação social.

Um dos momentos mais significativos do congresso foi o espaço para oficinas colaborativas, nas quais os participantes imaginaram e desenharam projetos concretos com impacto local e global.

MilONGa não se define apenas pelo que faz, mas pelo horizonte que propõe: um mundo mais justo, mais unido, mais humano. Um mundo onde a solidariedade não é um slogan, mas uma prática cotidiana; onde a paz não é uma utopia, mas uma responsabilidade compartilhada.

Manuel Nacinovich

Renascer das trevas: um apelo à unidade

Renascer das trevas: um apelo à unidade

De um contexto familiar de divisão, nasci de um adultério do meu pai e permaneci em segredo por muito tempo, experimentando ainda pequena, um “abandono temporário de paternidade”.

Por esse motivo, sentia que minha história era obscura. O que não imaginava, era que Jesus começaria um processo de conversão radical na vida do meu pai, que o levaria a se tornar um pastor pentecostal.

Este, sem dúvidas, poderia ter sido um motivo para que de alguma forma eu me afastasse da fé. Contudo, não foi isso o que aconteceu. Diante da experiência de abandono, eu só conseguia perguntar-me por aquele amor, que mesmo diante da dor de uma criança, havia alcançado a vida do meu pai. Por vezes, me questionava: “que amor é esse capaz de atravessar a dor que estou sentindo?”. Aos 16 anos, em um cruzeiro de formatura da escola, encontrei esse amor. Numa das noites, sentada na parte de cima do navio, a voz do Senhor falou claramente ao meu coração: “você não nasceu para fazer o que seus amigos fazem, Mayara, você é minha”. Nos desdobramentos do que se iniciou ali, me tornei uma jovem pentecostal convicta.

Aos 19 anos, ingressei na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil) para cursar teologia. Numa história daquelas que só o Espírito é capaz de escrever, me tornei presidente do Centro Acadêmico e da Comissão dos Estudantes de Teologia do Estado de São Paulo. Fiquei muito amiga dos seminaristas, tive contato com muitas dioceses, ordens religiosas e, em minha casa, se tornou comum a presença de sacerdotes. No começo, minha mãe brincava dizendo: “nunca imaginei que teria tantos padres em minha casa, Mayara”.

Por essa vivência, decidi escrever minha tese de conclusão sobre a unidade dos cristãos, mas quando comecei a pensar sobre o caminho que gostaria de seguir, muitas coisas aconteceram e me levaram a refletir sobre minha história familiar; passei por um processo profundo de perdão e reconciliação. E assim foi, enquanto perdoava, escrevia. A todo instante minha memória me lembrava o quanto uma família dividida poderia machucar, mas eram nestes momentos que o Senhor também me perguntava: “E a minha família, a Igreja”? Era necessário unir o meu abandono ao de Jesus.

“Decidi escrever minha tese de conclusão sobre a unidade dos cristãos (…) e muitas coisas aconteceram e me levaram a refletir sobre minha história familiar; passei por um processo profundo de perdão e reconciliação”.

Na foto: Mayara durante o Congresso Ecuménico
em Castel Gandolfo, em março de 2025

Partindo do patrimônio comum da Sagrada Escritura, concluí esta etapa dolorosa escrevendo sobre o tema: “O Espírito e a Esposa dizem: vem! A figura da Esposa como resposta profética à unidade da Igreja”. Foi este passo que me levou ao diálogo católico-pentecostal: à Comissão da Unidade da Renovação carismática católica de São Paulo e a Missão Somos Um.
Fundada por leigos, no contexto de uma comunidade católica (Coração Novo-RJ), a Missão Somos Um tem como base uma carta de intenções, assinada por lideranças católicas e evangélicas. A carta está redigida em quatro pilares que carregam a essência do que cremos: o respeito às identidades confessionais, a eclesialidade, o não- proselitismo e a cultura do encontro. Há uma semana no calendário oficial da cidade do Rio de Janeiro, intitulada “Semana Somos Um”. Em razão disso, recebemos com surpresa o reconhecimento de Patrimônio Cultural e Imaterial.
De modo prático, a Missão reúne lideranças católicas e evangélicas pentecostais, num propósito comum: anunciar a unidade dos cristãos. Para isso, muitos discernimentos foram tomados, entre eles, um diálogo teológico, viabilizado na constituição de um Grupo de Trabalho (GT) Católico-Pentecostal, em nível nacional. O grupo de teólogos católicos e pentecostais tem por objetivo, refletir teológica e pastoralmente a experiência carismático- pentecostal, a partir da realidade brasileira e, em alguma medida, Latino-Americana. Recentemente, publicamos o primeiro relatório, fruto dos nossos encontros, acerca dos dons do Espírito Santo. Em 2022 surge o trabalho da Missão Jovem Somos Um, grupo que me dedico com afinco e que tem todo o meu coração e serviço. Por essas razões, contemplo a Missão Somos Um como um sinal de esperança. Primeiro, por toda comunhão vivenciada, segundo, porque minha história pessoal se entrelaça a ela sem deixar dúvidas.

Comissionados a sermos “Peregrinos da Esperança”, queria concluir essa partilha, com algo que o meu pai diz ao contar a história da nossa família (os Pazetto). Ele repete inúmeras vezes, que ela foi gerada entre dores e feridas, mas inundada no amor infinito de Deus: “a tribulação se fez vocação”. Quando meu pai vislumbra essa realidade, ele sempre cita Romanos 5:20: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça de Deus”. Parafraseando esse texto bíblico, nesta “Semana de Oração Pela Unidade dos Cristãos”, no ano do Jubileu e da celebração de tantas recorrências importantes como o Concílio de Niceia, encorajo-me a pensar que: em meio a tantas feridas abundantes em toda a história da Igreja, Deus certamente faz superabundar Sua esperança.

Mayara Pazetto
Foto: © CSC Audivisivi

Família: perdoar e ser perdoados

Família: perdoar e ser perdoados

Somos Aureliana e Julián, do Paraguai, somos casados há 36 anos e temos cinco filhos e seis netos.

JULIÁN: Quando casamos, Aureliana tinha 18 anos, e eu 19. Estávamos apaixonados e entusiasmados para construir a nossa vida juntos. Os primeiros cinco anos foram lindos, éramos ótimos companheiros, trabalhávamos juntos e nos ajudávamos, um completava bem o outro. Depois de sete anos de casados entramos numa crise muito forte, que quase nos levou à separação. A comunicação tornou-se difícil: não conseguíamos falar de nós mesmos, da nossa relação, e, aos poucos, isso nos afastou. No entanto, ambos tínhamos o desejo de dar o melhor para as nossas filhas e de progredir financeiramente. Cada um tinha o seu modo de viver, brigávamos bastante, mas conseguíamos ir para frente.

AURELIANA: Chegando à adolescência, uma das nossas filhas começou a se comportar com rebeldia, aos 17 anos engravidou e passou a conviver. Foi com aquela situação que começamos a pedir ajuda, para reforçar nosso papel de pais, e também a vida espiritual. Frequentávamos as reuniões de grupos de famílias e retiros espirituais. Dessa maneira conseguimos superar desafios difíceis, com a boa vontade de nós dois.

JULIÁN: Tínhamos uma estabilidade financeira, uma família bonita, saúde e uma empresa familiar com uma boa posição: tínhamos tudo! Um dia comecei a ter contato com uma pessoa, pelas redes sociais; nós nos conhecemos e comecei a ter uma relação extraconjugal com ela. Naquele tempo o meu pai, já doente, morava conosco, e para a nossa filha estava sendo difícil adaptar-se como mãe. Aureliana devia correr para todos os lados, para conseguir estar com a filha, trabalhar, organizar a casa. Eu estava muito envolvido com aquela relação e não fazia nada para ajudar, ao contrário: eu dizia que não tinha tempo, ela se lamentava e eu me enraivecia. Foi durante uma viagem que fizemos juntos para a Europa que Aureliana descobriu que eu não era fiel. Tudo desmoronou, estávamos longe de todos, sozinhos entre quatro paredes de um quarto de hotel.

AURELIANA: O mundo caiu em cima de mim! Não sabia o que fazer, não conseguia acreditar que algo desse tipo pudesse acontecer. No início fiquei calada, pensando que íamos conseguir terminar a viagem, mas depois de um pouco eu explodi: rompi o silêncio gritando, chorando e pedindo uma resposta. Ele começou a implorar desesperadamente por piedade, pedia perdão a Deus e a mim, e apesar da dor terrível que sentia, isso tocou o meu coração. Sabia que eu devia dar um passo e, para poder fazer isso, coloquei toda a minha confiança em Deus. Finalmente, eu consegui ver o rosto de Jesus crucificado em Julián. Abri meus braços para ele e encontramos uma pouco de tranquilidade. Mas, mesmo assim, com esse passo interior, muitas vezes a dor e a tristeza me sufocavam.


“E é isso que queremos anunciar ao mundo:
estamos aqui para sermos “um”, como o Senhor nos quer “um”,
nas nossas famílias e onde quer que vivamos,
trabalhemos e estudemos: diferentes, mas um;
muitos, mas um; sempre, em todas as circunstâncias
e em todas as etapas da vida. (…)
E não esqueçamos:
das famílias nasce o futuro dos povos.”


Homilia do Papa Leão XIV
Jubileu das famílias, das crianças, dos avós e dos idosos
1 de junho de 2025

JULIÁN: Durante a noite, Aureliana não dormia, chorava. Foi diagnosticada com depressão. Eu me sentia impotente e culpado. Rezei muito: sentia que minha esposa e minha família eram um presente muito valioso, mas o estrago estava feito e eu devia aceitar o meu erro; queria também fazer toda a minha parte e colocar a minha confiança em Deus.

AURELIANA: A nossa família estava dividida, os filhos não sabiam a quem dar a culpa e se rebelaram. Em seguida Julián adoeceu: foi encontrado um tumor em seu cérebro. Foi algo que me abalou muito e quase me tirou da depressão. Quando recebemos o resultado dos seus exames, junto com nossos filhos procuramos a melhor alternativa para a cirurgia. Sentíamos que a unidade da família era o maior tesouro, que estava além de qualquer adversidade, e eu me dei conta que era novamente capaz de dar a minha vida por meu marido, e viver até o fim a minha fidelidade a ele, “na saúde e na doença”.

JULIÁN: Eu me senti amado, assim consegui superar duas cirurgias no cérebro, e me recuperei em um tempo recorde. Logo que saí do hospital, tivemos a oportunidade de participar de um encontro para casais em crise, porque tínhamos ainda a necessidade de curar as nossas feridas.

AURELIANA: Neste encontro eu consegui esclarecer muitas dúvidas. Recebemos muito afeto dos participantes, aproveitamos a presença de profissionais e casais com muitos anos de experiência, e descobrimos uma nova saída.

JULIÁN: Entendi que a vontade de perdoar é real, mas curar o trauma exige um processo; a ferida que provoquei nela foi muito profunda e ela precisava de tempo, paciência e amor, da minha parte. Recebi o maior dom de Deus que é o perdão. Renovamos o nosso matrimônio, Aureliana disse-me novamente o seu ‘sim para sempre’, e nós recomeçamos.

AURELIANA: A nossa vida mudou completamente. Depois de 35 anos de casamento nós deixamos de lutar. Vivemos uma vida de casal plena, podemos olhar-nos nos olhos e amar-nos como nunca antes.

Foto © pexels-scottwebb