Movimento dos Focolares
Lisboa 2023: um passo para a Jornada Mundial da Juventude

Lisboa 2023: um passo para a Jornada Mundial da Juventude

Estar “com pressa” de ir ao encontro do outro, como a Virgem Maria. Este é o cerne da mensagem da próxima Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que acontecerá em Lisboa (Portugal) de 1 a 6 de agosto de 2023. Algumas curiosidades sobre os preparativos. “Queridos jovens, sonho que na JMJ vocês possam reviver a alegria do encontro com Deus e com os irmãos. Depois de longos períodos de distância e de isolamento, em Lisboa – com a ajuda de Deus – reencontraremos juntos a alegria do abraço fraterno entre os povos e entre as gerações, o abraço da reconciliação e da paz, o abraço de uma nova fraternidade missionária!”. Este é o desejo com que o Papa Francisco, da Basílica de San Giovanni in Laterano (Roma), se dirigiu aos jovens de todo o mundo, em 15 de agosto de 2022, por ocasião da Solenidade da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria, explicando o aprofundamento do tema escolhido para a próxima Jornada Mundial da Juventude: “Maria levantou-se e partiu depressa” (Lc 1,39). Em tempos tão difíceis, em que a humanidade, provada pelo trauma da pandemia, é dilacerada pelo drama da guerra, o episódio evangélico da Visitação é o caminho pelo qual percorrerão os passos de muitos jovens que, de 1 a 6 de agosto de 2023, participarão no encontro internacional em Lisboa. Será um momento de grande alegria e uma oportunidade para testemunhar, meditar e compartilhar juntos os passos de Maria. Mas como estão os preparativos para esta JMJ? Mariana Vaz Pato, uma jovem designer de Lisboa, que faz parte de uma equipe do Movimento dos Focolares que se ocupa da organização, conta-nos: “Quando soube que a JMJ ia ser em Portugal, reagi a esta notícia com muita alegria. Desde logo, decidi fazer parte desta equipa porque sentia que podia dar o meu tempo para a construção deste grande evento”. Mariana, o que está acontecer nos bastidores neste momento? Nos bastidores há muito trabalho feito e muito por fazer. O espírito geral que se vive é de grande entusiasmo, queremos que esta seja uma jornada marcante e inspiradora para todos. Neste momento, o maior foco são as inscrições, que abriram há pouco tempo, e que temos de divulgar para que ninguém fique de fora. A minha equipa tem estado a trabalhar para vários momentos do programa da JMJ. Um deles é a preparação de uma catequese à luz do carisma da unidade, nesta fase estamos a trabalhar nos conteúdos ligados ao tema da Jornada, com as orientações do Dicastério para os leigos, a família e a vida. Outro momento é um stand na Cidade da Alegria (Feira das Vocações), onde os peregrinos vão encontrar conteúdos interativos e experiências de todo o mundo, ligadas às várias etapas da vida de Maria. Com as Gen Verde, estamos a preparar outro momento – os workshops do Start Now – que vão acontecer num bairro social, numa zona periférica da cidade de Lisboa, e que culminará num dos palcos do Festival da Juventude. Além do programa principal da JMJ, sentimos a necessidade de oferecer à igreja um encontro pós-JMJ, onde os participantes poderão fazer uma experiência de interioridade de tudo aquilo que viveram na Jornada. Este encontro vai ser na Cidadela Arco-Irís e é aberto a qualquer jovem que queira participar. Além disso, estamos também envolvidos em outros grupos de acolhimento de peregrinos, gestão de voluntários e no coro oficial. O que significa para um jovem hoje “levantar-se” e partir depressa? O tema desta jornada apela-nos a ir em missão, tendo Maria como exemplo, que respondeu à chamada de Deus. Penso que, para os jovens, “levantar-se” significa ser missionários. Ou seja, estar pronto para partir, sair de si mesmo (do conforto do estar sentado), ir ao encontro do próximo, não ficando indiferente aos problemas que existem à nossa volta. Também essa JMJ é confiada a alguns Santos Padroeiros ou testemunhas da fé, figuras de referência que têm este processo em curso. Por que é tão importante hoje aspirar à santidade? Acho que aspirar à Santidade é aspirar à felicidade. Para os jovens é importante ter um modelo de vida a seguir e os Santos são a prova de que é possível ter um estilo de vida cristão e diferenciador do que vemos à nossa volta. Por exemplo, para mim, a padroeira da jornada mais marcante é a beata Chiara Badano por ter vivido uma realidade próxima da minha. O modo como ela vivia contra a corrente e a sua confiança em Deus são inspiradores, e mostram-nos que é possível ter uma vida de Santo  também no mundo de hoje. Para maiores informações visita o site: JMJ Lisboa 2023

Maria Grazia Berretta

Luisetta, a professora

Luisetta, a professora

No dia 31 de dezembro de 2022, faleceu Luisa Del Zanna, uma das primeiras focolarinas de Florença. Nasceu em 1925, em uma família cristã com 8 filhos. Tendo conhecido a espiritualidade da unidade, ela imediatamente a abraçou. Em 1954, ingressou no focolare de Florença. Nos anos seguintes, viu o nascimento de várias comunidades do Movimento, que acompanhou com dedicação. A partir de 1967, viveu em Rocca di Papa (Itália) onde Chiara Lubich, fundadora dos Focolares, a chamou para cuidar de sua secretaria, do arquivo, serviços que coordenou até 2007, e do nascente Centro de Comunicação Santa Chiara, junto a um dos primeiros focolarinos, Vitaliano Bulletti. “Guardiã dos ‘tesouros dos Focolares’ – lê-se em um artigo de 2008 na Città Nuova – Luisetta, um nome que te acaricia, que te faz pensar em uma criatura delicada e gentil. E o é verdadeiramente, em sua figura muito pequena, Luisa Del Zanna, uma daquelas pessoas a quem habitualmente se confiam tarefas importantes pela sua discrição, competência, lealdade, cujo valor nem sempre se compreende, porque não aparecem, mas sem as quais certas engrenagens acabam atrapalhando…”. Nos seus primeiros anos de vida no focolare, trabalhou como professora num pequeno povoado das montanhas do norte da Itália, onde chegava a pé ou montada em um burrinho. A experiência que publicamos aqui é justamente daqueles anos, mantendo o estilo original de quando foi escrita, em 1958, até na forma.  “Por favor, a estrada para Bordignano?[1]” Depois de quatro horas de ônibus, cheguei àquele povoado do município que não havia conseguido localizar no mapa topográfico (escala 1:100.000). Nenhuma agência de notícias foi capaz de mencionar, nem os horários dos vários meios de transporte o referiram. E, no entanto, a folha de nomeação era clara: “Vossa Excelência está convidada a prestar serviço na sexta-feira, 7 de outubro, na escola primária de Bordignano, no município de Firenzuola”. E o nome foi escrito em letras maiúsculas, não se poderia errar. A pessoa com quem falei – um homem alto e robusto – olhou para mim interrogativamente: “Como disse?” e me fez repetir a pergunta. Ele pensou que tinha entendido mal. Depois apontou: “Está vendo aquele morro ali? Atrás dele tem mais dois e depois tem o B… Vou lá de novo agora para levar a correspondência”. Não hesitei um instante em perceber que ele estava caminhando naquela direção: as botas que calçava e o rosto bronzeado deixavam claro. Tive um momento de desânimo: olhei para aquela colina, para as botas daquele homem, compreendi que não havia outro meio, tomei coragem. “Vou com o senhor”, disse com decisão. O carteiro pareceu não entender, como antes, mas partiu e eu o segui. Foram três longas horas de viagem, interrompidas apenas por breves momentos de descanso no topo das íngremes subidas; onde o vale se abria havia fortes rajadas de vento. Finalmente cheguei: três casas de pedra alinhadas e, no alto de uma rua arborizada, a igreja com a torre e o sino. Cumprimentei um senhor idoso, sentado com o cachimbo na boca, na soleira da porta. Disse a ele que era a professora. Ele se levantou e foi me acompanhar. Entramos por uma porta quebrada na segunda daquelas casas enfileiradas, todas propriedades do velho; a primeira era um armazém, equipado com tudo (exceto algumas coisas que eu não tinha e das quais realmente precisaria). Havia botas ferradas, fósforos, ratoeiras (de várias espécies), pão, cadernos, enfim, de tudo. Subimos uma escada e entramos na escola. Era uma sala grande, algumas mesas empilhadas num canto (nunca tinha visto nada daquele tipo: até seis crianças cabiam em uma só delas), uma cadeira bagunçada, um quadro-negro quebrado: eram esses todos os móveis. – A sua casa é por aqui – explicou-me o velho – pode ficar feliz! Este ano há água corrente. Eu mesmo a coloquei, às minhas custas! Ele me conduziu até uma cozinha; a lareira apagada se destacava em um canto. Eu estava com frio. Começava a escurecer: procurei o interruptor da luz para acender, mas não encontrei. (Aprendi, nos dias que se seguiram, a usar um lampião e a trabalhar e escrever à luz daquela língua de fogo trêmula.) Naquele mesmo dia, procurei o padre (soube que a Pieve era a sua igreja, a mais bonita das que existem no vale e nas colinas circundantes) e implorei-lhe que anunciasse na missa dominical, que as aulas iriam começar. “Eh, dona, é época de colheita. Agora tem a castanha e depois a azeitona; os meninos ajudam muito nesses trabalhos. Vai se falar da escola só em janeiro! – acrescentou. Para mim parecia impossível. Há algum tempo, tinha aprendido a não recuar diante das dificuldades, pelo contrário – tinham me dito – elas servem de trampolim – e vi que era verdade. Encontrei outra maneira de avisar as pessoas que tinha chegado. Identifiquei as casas dos meus alunos entre aquelas casas espalhadas e isoladas e fui até lá. A primeira foi a casa de Angiolino e Maria. Para mim daquela visita ficou uma vaga lembrança de preto e fumaça. Lá estava Maria agachada num canto nas cinzas da lareira (estava com a garganta inflamada), escondia o rosto com o bracinho para que eu não a visse. Angiolino estava de pé: num canto, de cabeça baixa, e acompanhava a conversa que eu tinha com minha mãe. Durante a conversa fiquei sabendo da desconfiança daquelas pessoas na escola e mais ainda na professora. Escutei por um bom tempo, em silêncio. Esforcei-me para entender a fala daquela mulher num dialeto duro, ressentido, quase incompreensível. Soube que o menino havia abandonado a escola há dois anos, sem ter concluído os estudos elementares, devido às pegadinhas que pregava nos professores. Falei algumas coisas: tinha vindo por eles, a escola era gratuita, os meninos teriam a tarde livre para ajudar no trabalho da roça. “Vamos ver – disse a mulher – vou mandar a Maria”. Ao me despedir, disse ao menino: “Gostaria de deixar a escola bonita para as crianças que virão, se puder vir me ajudar… eu te espero”. Não houve necessidade de muitos outros convites. As crianças começaram a chegar uma a uma, os irmãos aos pares, incertos, temerosos. Elas haviam conversado sobre a escola encontrando-se para os jogos, nos campos, enquanto cuidavam do rebanho, ou debruçando-se juntos na floresta para colher castanhas. “Você vem também? É legal, sabe!” “É bom, a professora não bate!” A escola tornou-se acolhedora em pouco tempo com a válida ajuda de Angiolino. A natureza de outubro oferecia um rico material ornamental na variada coloração de suas folhas. Estabeleci minhas relações com os alunos e as relações dos alunos entre si segundo o mandamento de Jesus: “Amai-vos uns aos outros…”. Foi a base de todo o trabalho daquele ano. A escola se tornou um pequeno paraíso. O livro preferido era o Evangelho e a inteligência daquelas crianças, desacostumada e fechada ao raciocínio humano, abriu-se à lógica evangélica com surpreendente espontaneidade. Aquele método foi desafiador. “Pro eis sanctifico me ipsum” (Por eles eu me santifico), assim o disse Jesus, caso contrário não surtiria efeito. No final do ano, percebi que a vida evangélica dos pequenos não havia parado dentro dos muros da escola, mas tinha transbordado para o lar, para a família. Percebi isso pela saudação agradecida dos pais que não ficaram indiferentes a esse sopro de vida alegre que os filhos traziam entre eles quando voltavam para casa. O exterior áspero que os fazia parecer insensíveis a mim havia desaparecido das almas e, inconscientemente, essa mesma vida havia entrado nelas.

Experiência da Luisa Del Zanna

[1]     Bordignano, no município de Firenzuola (Firenze, Italia).

Bento XVI: a recordação de Maria Voce

Bento XVI: a recordação de Maria Voce

No período de sua atuação como presidente do Movimento dos Focolares, de 2008 a 2021, Maria Voce teve a possibilidade de conhecer e encontrar várias vezes o Papa Ratzinger. “A impressão, quando fui recebida em audiência no seu escritório, foi a de entrar numa sala de casa, onde se podia falar e ser acolhidos com amor, eu diria, com uma amorosa atenção. Ao mesmo tempo com uma fineza elegante, cuidado, delicadeza”. Diante da notícia do falecimento do Papa Bento XVI, as lembranças de Maria Voce, ex-presidente do Movimento dos Focolares, vão imediatamente ao dia 13 de abril de 2010, quando foi recebida pelo Papa, juntamente com o então copresidente, Pe. Giancarlo Faletti. “Era o segundo ano depois da morte da nossa fundadora, Chiara Lubich – continua Maria Voce -. O copresidente e eu fomos colocar nas mãos do Papa a vida do Movimento. E nos demos conta que ele conhecia bem muitas de suas realidades. Nós também contamos a ele sobre a viagem a vários países asiáticos, que havíamos feito recentemente. Ele mostrou seu contentamento inclusive pela etapa feita na China, já que este país era uma grande fronteira para a Igreja. Alegrou-se por aquilo que o Movimento fazia para ajudar o caminho de reconciliação entre os bispos chineses e o Papa. Deu-nos a sua benção e nos impulsionou a prosseguir no caminho da santidade. Pessoalmente, tocou-me sempre a sua delicada gentileza e ao mesmo tempo a acolhida calorosa e familiar. Tinha um grande senso de harmonia, vindo, talvez, do seu amor pela música, e que se via inclusive na decoração do seu escritório: um lugar acolhedor como uma casa, sagrado como uma igreja”. Quais as outras ocasiões em que encontrou o Papa Bento XVI, como presidente dos Focolares? “Em 2008 recebeu, a mim e ao copresidente Faletti, logo após a Assembleia Geral dos Focolares, na qual tínhamos sido eleitos, a primeira após a morte da nossa fundadora. Depois me convidou, viajando no mesmo trem, com numerosas autoridades, para a “Jornada de reflexão, diálogo e oração pela paz e a justiça no mundo”, realizada em Assis (Itália) em 27 de outubro de 2011, nos 25 anos da primeira Jornada, realizada pelo Papa João Paulo II, em 1986. E, enfim, participei da sua última audiência, dia 27 de fevereiro de 2013, depois do anúncio da sua demissão”. Quais as suas reflexões diante daquela decisão do Papa? “Quando ele se apercebeu de não possuir mais as forças para cumprir o seu papel, teve a coragem de deixar o lugar a outros que, segundo seu parecer, tinham mais forças e possibilidades de fazer melhor. Uma escolha, como eu disse também naquele momento, que me pareceu revelar um concentrado da sua reflexão teológica e espiritual. Evidenciou a primazia de Deus, o sentido de que a história é guiada por Ele. E nos direcionou a colher os sinais dos tempos e responder a eles com a coragem de opções sofridas, mas inovadoras. Com uma clara nota de esperança pela “certeza de que a Igreja é de Cristo”. Penso que não erro ao afirmar que a Igreja para a qual o Papa Bento sempre olhou, inclusive ao cumprir essa escolha, é uma “Igreja-comunhão”, fruto do Vaticano II, mas também numa visão prospectiva, “cada vez mais expressão da essência da Igreja”, como ele mesmo havia sublinhado. E este “cada vez mais” nos diz que ainda não a realizamos plenamente, e convida cada um de nós a trabalhar nesta direção com sempre maior responsabilidade”. No dia seguinte à sua eleição como Pontífice, Chiara Lubich escreveu: “Pelo conhecimento direto que tenho dele, que possui dotes especiais para receber a luz do Espirito, não deixará de surpreender e superar qualquer previsão”. Na sua opinião, qual foi a contribuição mais significativa trazida pelo Papa Bento XVI à Igreja? O que esta diz à Igreja de hoje e àquela que o Sínodo está preparando para o futuro? “O Papa Ratzinger soube perceber a realidade dos Movimentos na Igreja como a “primavera do Espírito”. Foi fundamental o seu discurso, ainda como cardeal, no Congresso dos Movimentos, antes do grande encontro de Pentecostes 1998, com o Papa João Paulo II. Um texto seu, de 1969, que faz parte de um ciclo de aulas para a rádio, é impressionante pensando nos tempos de hoje; revela a sua profunda espiritualidade e essencialidade, numa perspectiva que estará presente em seu coração durante todo o pontificado. Ele afirmava que estavam se preparando tempos muito difíceis para a Igreja, que a sua verdadeira crise tinha só começado e deveria lidar com grandes convulsões. Mas, o então cardeal Ratzinger, se dizia convicto daquilo que restará no final: não a Igreja do culto político, mas a Igreja da fé. Ela não será mais a força social dominante, na medida que era até pouco tempo atrás. Mas a Igreja verá, ele concluía, um novo florescimento e se mostrará como a casa do homem, onde encontrar vida e esperança além da morte”.

Anna Lisa Innocenti

Bento XVI: reformador em continuidade

Bento XVI: reformador em continuidade

O teólogo Piero Coda recorda o Papa Bento VI e a extraordinária contribuição de sabedoria que ele deu ao progresso da Igreja em nosso tempo.  Monsenhor Coda, em 1998, no Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, fez um discurso histórico sobre o papel dos Movimentos eclesiais. Na sua opinião, quais são os pontos essenciais daquele discurso? Quanto essas palavras contribuíram para mudar o papel dos Movimentos na Igreja? Sim, realmente foi um discurso histórico! Eu estava presente no Congresso e ouvi ao vivo. A grande competência teológica e o conhecimento da história da Igreja, bem como a experiência do Concílio e depois – no papel que desempenhou no Vaticano – da sua realização em nível universal, permitiram a Ratzinger situar com clareza o sentido da missão eclesial dos Movimentos na missão da igreja. O ponto central proposto por ele consiste em reconhecer nos Movimentos eclesiais a ação do Espírito Santo que, ao longo dos séculos, sempre de novo, com ondas sucessivas, renova o Povo de Deus com o dom dos carismas: desde São Bento até as Ordens Mendicantes na Idade Média, a Companhia de Jesus, as Ordens missionárias nos últimos séculos, até o inesperado florescimento carismático em conjunto com o Concílio. Daí a afirmação de João Paulo II, em harmonia com o ensinamento do Vaticano II, segundo o qual a Igreja se edifica graças à coessencialidade dos “dons hierárquicos” – o ministério conferido pelo sacramento da Ordem – e dos “dons carismáticos” – a concessão gratuita de graças especiais de luz e vida entre todos os discípulos de Jesus. Por ocasião da morte de Chiara Lubich, fundadora dos Focolares, o Papa Bento XVI escreveu uma grande mensagem de condolências. Que relação a Lubich tinha com ele? Chiara – disse-me ela pessoalmente – ficou muito impressionada com aquele discurso do Cardeal Ratzinger, em 1998, e sempre lhe foi grata. Além disso, visitando o Centro Mariápolis de Castel Gandolfo, em Roma, e ali celebrando a Santa Missa na festa da Imaculada Conceição, em 8 de dezembro de 1989, retomando a parábola evangélica, ele disse ter visto crescer uma grande árvore nascida de uma pequena semente, onde descansam as aves do céu… Os primeiros anos do pontificado de Bento XVI coincidiram com os últimos anos da vida de Chiara Lubich: ela não podia encontrá-lo pessoalmente, nem se alegrar por ele, um ano depois da sua morte, ter feito menção à economia de comunhão na encíclica Caritas in veritate. O que o pensamento e a vida do Papa Bento XVI dizem à Igreja de hoje e à de amanhã, que o atual Sínodo está ajudando a delinear? Sua contribuição imperdível foi recordar com sua autoridade de homem de Deus e grande teólogo uma verdade decisiva: a obra de renovação iniciada pelo Concílio Vaticano II deve ser promovida diretamente com o núcleo vivo do Evangelho de Jesus e no leito de tradição eclesial. Como assinalou em seu magistral discurso à Cúria Romana em dezembro de 2005, primeiro ano de seu pontificado, quando traçou a chave decisiva para a interpretação do evento conciliar: “a reforma em continuidade”. Não é por acaso que o livro mais conhecido do ainda jovem teólogo Ratzinger, que apareceu em sua primeira edição em 1968 e foi traduzido nas principais línguas, leva o título de Introdução ao Cristianismo, sinalizando que o trampolim para um salto profético é a fé de todos os tempos em Jesus. Também não é sem sentido que, como Papa, ele quis reservar três encíclicas às virtudes teologais: caridade, esperança, fé, sublinhando fortemente o primado da primeira, porque evoca o próprio nome do Deus que se revela em Jesus, aquele Jesus a quem dedicou uma trilogia apaixonante como convite ao encontro com o princípio vivo da fé, o que não é apenas um conceito bonito, mas Ele mesmo. Lealdade, portanto, ao patrimônio da fé, mas porque dela procede a riqueza e a novidade do Evangelho. Este é o segredo da força e do fascínio duradouro do magistério de Bento XVI. E você, pessoalmente, qual é a lembrança mais bonita que leva do Papa Ratzinger? Encontrei-o muitas vezes, primeiro como Cardeal e depois como Papa, experimentando sempre a sua grande cordialidade e a sua primorosa atenção. Também tive a oportunidade de conversar longamente com ele sobre teologia, no contexto de uma série de seminários com outros estudiosos, em nível internacional, quando era Prefeito de Doutrina da Fé, percebendo, com crescente gratidão a Deus, a extraordinária contribuição de sabedoria por ele dada ao caminho da Igreja em nosso tempo. De acordo com Chiara, comuniquei ao Papa Bento XVI a ideia de iniciar o Instituto Universitário Sophia: “Uma coisa linda… – exclamou – se você pode fazer isso…”. Por fim, recordo a sua alegre surpresa quando, ao encontrá-lo durante uma audiência com o primeiro grupo de alunos, Caelison, um aluno cego, espontaneamente lhe confidenciou: “Em Sophia encontramos a luz!”.

Stefania Tanesini

“A última palavra na história do mundo será comunhão”.

“A última palavra na história do mundo será comunhão”.

As palavras de Margaret Karram, presidente do Movimento dos Focolares por ocasião do falecimento de Sua Santidade, o Papa Bento XVI Estima, gratidão e grande comoção invadem agora meu coração, enquanto expresso a mais profunda gratidão pela obra e a vida do Papa Bento XVI, pessoalmente e em nome do Movimento que ele seguiu e acompanhou com proximidade e amor. Com toda a Igreja nos unimos ao Papa Francisco para restituí-lo a Deus, certos de que ele já foi acolhido na glória do Céu e o farei pessoalmente, em 5 de janeiro próximo, assistindo à missa fúnebre na Praça de São Pedro. Tive o dom de receber Papa Bento XVI em Jerusalém em maio de 2009, participando de várias etapas de sua peregrinação à Terra Santa. Dois momentos, em particular, permanecem comigo, suas palavras no Santo Sepulcro: “A paz é possível aqui”. O Túmulo Vazio, continuou ele, “nos fala de esperança, aquela esperança que não decepciona, porque é o dom do Espírito da vida”. Também foi muito marcante para mim, assistir a uma missa privada na Delegação Apostólica de Jerusalém, celebrada pelo próprio Papa Bento XVI. Percebi sua ternura paternal e a dimensão de sua caridade que se expressou em um gesto de gratidão por tudo o que o Movimento dos Focolares havia feito para preparar sua visita. Em 1989, quando ele ainda era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o Card. Joseph Ratzinger foi convidado por Chiara Lubich para um diálogo com as focolarinas reunidas para os exercícios espirituais anuais, dos quais eu também participava. Ele respondeu a uma variedade de perguntas e em um certo momento proferiu palavras que eu não esqueci. Sobre o futuro da Igreja e da humanidade, ele disse: “A última palavra na história do mundo será comunhão, será tornar-se comunhão, não apenas entre nós, mas, estando incorporados no amor trinitário, tornar-se comunhão universal, onde Deus está em tudo e em todos” [1]. Hoje, que o nosso amado Papa Bento XVI voltou à casa do Pai, esta sua expressão ressoa em mim quase como um testamento espiritual. São palavras de extraordinária atualidade, que hoje iluminam e dão esperança a uma humanidade afligida por conflitos cujo fim não conseguimos ver. Fomos nutridos por seu pensamento iluminado, o de um grande teólogo que, ainda muito jovem, participou do Concílio Vaticano II, transmitindo e apresentando ao longo dos anos a novidade de uma Igreja-comunhão, feita de conhecimento da Palavra e da caridade traduzida na prática. No dia seguinte à sua eleição como Pontífice, Chiara Lubich se expressou assim: “Pelo conhecimento pessoal que tenho dele, possuindo dons especiais para captar a luz do Espírito, ele não deixará de surpreender e superar todas as previsões” [2]. Não esqueceremos o papel fundamental que desempenhou em 1998, quando o Papa João Paulo II convocou os Movimentos Eclesiais e as Novas Comunidades por ocasião da festa de Pentecostes a se reunirem na Praça São Pedro. Naquela ocasião, Card. Ratzinger fez um discurso magistral intitulado: “Os Movimentos Eclesiais e sua Colocação Teológica”, na qual ele delineou o perfil dos Movimentos e das Novas Comunidades e sua indispensável relação com a Igreja. Alguns trechos do seu discurso continuam sendo para mim e para o Movimento um farol, a fim de que sejamos instrumentos de comunhão na Igreja e os braços de Cristo para a humanidade: “(…) é muito evidente que o Espírito Santo age também hoje na Igreja e lhe concede novos dons”, disse naquela ocasião, “graças aos quais ela revive a alegria de sua juventude (cf. Sl 42,4). Gratidão por aquelas muitas pessoas, jovens e anciãs, que aderem ao chamado do Espírito e, sem olhar ao redor ou para trás, se lançam alegremente ao serviço do Evangelho. Gratidão pelos bispos que se abrem aos novos caminhos, que abrem espaço para si mesmos nas suas respectivas Igrejas, debatendo pacientemente com seus líderes para ajudá-los a superar qualquer unilateralidade e conduzi-los a uma correta configuração[3]. Com toda a Igreja, agradeço a Deus pelo dom que Papa Bento XVI foi para o nosso tempo e rezo para que possamos colher e traduzir em vida a profundidade do seu pensamento teológico, sua fidelidade ao Evangelho e a coragem de um testemunho de vida capaz de conduzir a Igreja nos caminhos da verdade, da fraternidade e da paz.

Margaret Karram Presidente Movimento dos Focolares

[1] Visita do Card. Joseph Ratzinger ao Encontro das focolarinas, respostas às perguntas. Castel Gandolfo, 8 de dezembro de 1989. Arquivo Chiara Lubich no Arquivo Geral do Movimento dos Focolares. [2] Declaração de Chiara Lubich no: Comunicado à Imprensa do Movimento dos Focolares, 20 de abril de 2005 [3] Os Movimentos na Igreja. Anais do Congresso mundial dos Movimentos Eclesiais, Roma, 27-29 de maio de 1998, Col. Leigos hoje 2, Livraria Editora Vaticana, Cidade do Vaticano 1999

Gen Rosso em Madagascar e no Líbano

Duas etapas para vivenciar intercâmbios culturais, formar caminhos de inclusão através da arte e desenvolver talentos musicais. Yann Dupont é um professor de francês e leciona no Instituto Sainte Catherine em Villeneuve-Sur-Lot, na França. Ele tinha um sonho: levar alguns de seus alunos para Madagascar, em Moramanga, para um intercâmbio cultural com a escola em Antsirinala. Por acaso, um dia a Dupont conheceu Valerio Gentile do Gen Rosso. Um diálogo animado, simples e sincero. Nasceu uma ideia: por que não ir juntos a Madagascar, Gen Rosso e cinco de seus alunos, para um intercâmbio cultural e humanitário? Dito e feito! Os jovens franceses foram assim incluídos no grupo de treinamento “train the trainer” (formar o treinador, n.d.t.) onde alguns jovens interessados em artes cênicas também participaram. Eles tinham como lema as palavras que haviam experimentado durante as oficinas em Madagascar: “chamar pelo nome, colocar-se no lugar um do outro, viver um pelo outro com alegria, recomeçar”. Uma tourné de 8 dias em novembro – graças ao apoio financeiro da ONG Edugascar – para 4 cidades diferentes: Ambatondrazaka, Moramanga, Antsirinala, Antingandingana. Os dias passaram-se entre oficinas de dança, percussão, canto e concertos. Mais de 500 jovens estavam envolvidos. “Acreditamos que todos nós experimentamos um pedacinho de um mundo mais unido aqui em Madagascar”, dizem do Gen Rosso. “Descobrimos um povo que transmite esperança, paciência, um senso de adaptação, serenidade e coragem para enfrentar a vida com seus desafios diários.” Nancy Judicaelle, uma jovem de Madagascar, diz: “Por um lado estou triste por meu tempo com eles ter sido tão curto, mas estou tão feliz e profundamente emocionada, experimentando uma alegria inexplicável.” Angel, um dos jovens participantes, acrescenta: “O show foi fantástico, porque tivemos um intercâmbio sobre música, educação das crianças e respeito pelo meio ambiente. Foi um grande espetáculo onde até mesmo as crianças puderam dar sua contribuição para toda a nossa comunidade.” Os cinco estudantes franceses junto com o Gen Rosso continuaram o passeio, primeiro para Antsirinala onde foram recebidos – em um ambiente festivo e amigável – por uma escola de 200 crianças e jovens geminados com a escola Villeneuve, e depois para Ambatondrazaka. Aqui houve o encontro com a comunidade dos Focolares, em comemoração, porque foi a primeira vez que o Gen Rosso desembarcou em Madagascar. “Vivi momentos incríveis de intercâmbio cultural que aconteceram muito naturalmente entre o Gen Rosso e o povo humanitário malgaxe”, diz Dumoulin Nicolas, repórter francês, que acompanhou a turnê, junto com um grupo de estudantes franceses que estavam ali em um intercâmbio. Foi uma grande aventura de uma vida”. Etapa no Líbano Outra viagem importante para a banda internacional foi ao Líbano para o projeto HeARTmony. Após a experiência na Bósnia, este programa formativo, no mês de novembro, fez uma etapa em Beirute, para jovens interessados em metodologias de inclusão social para migrantes e refugiados através da arte. Um estímulo para fortalecer as habilidades interculturais e refletir sobre as causas e os efeitos da migração no Mediterrâneo. Adelson, Michele, Ygor e Juan Francisco, representando o Gen Rosso, reuniram-se com jovens da Cáritas do Egito, Cáritas do Líbano e membros da Humanité Nouvelle Lebanon. Eles pousaram em Beirute e foram calorosamente recebidos pelos membros dos Focolares. O principal objetivo da viagem era aprender a usar a música e a arte como ferramentas para aproximar as pessoas, especialmente as que vivem à margem da sociedade, como os migrantes, para fazê-las se sentirem bem-vindas em uma comunidade. “A arte é um meio poderoso”, enfatiza o Adelson do Gen Rosso, “a música chega onde muitas vezes não podemos chegar com as palavras. Uma pessoa pode se sentir amada e responder ao amor de muitas maneiras”. O método é o mesmo de sempre: através de oficinas de canto, música e percussão, os talentos dos participantes são aprimorados em vista da construção da apresentação final. Uma noite, a banda e os participantes do projeto também foram convidados para uma festa organizada pela comunidade dos Focolares de Beirute: fazer música e conhecer uns aos outros. Foi uma oportunidade para compartilhar algumas experiências de vida e descobrir mais sobre a realidade que os jovens libaneses vivem hoje. “Eu quero partir, mas sinto que o Líbano só vai mudar se eu tiver coragem de ficar, se eu colocar em prática o que aprendi”, disse uma jovem durante a noite. “Neste momento, é difícil dizer aos jovens para ficarem, mas as palavras desta garota me impressionaram profundamente”, continua Adelson. “Acho que é aqui que podemos recomeçar: colocar amor nas coisas que fazemos, para nos tornarmos protagonistas de nossa própria realidade. Talvez não veremos os resultados imediatamente, mas estou certo de que em breve o Líbano renascerá, como uma fênix”!

Lorenzo Russo