Movimento dos Focolares
Trieste e o acolhimento dos imigrantes

Trieste e o acolhimento dos imigrantes

Trieste é uma cidade que fica no nordeste da Itália, na divisa com a Eslovênia. Historicamente, representa um encontro de culturas, línguas, religiões. E hoje é um dos primeiros pontos de chegada da Europa para imigrantes que transitam pela rota balcânica. Pessoas com bagagem de sofrimento, guerras e perseguições.

Em Trieste, a comunidade do Movimento dos Focolares, em sinergia com outras instituições, se esforça para acolher os imigrantes.

“O maior problema é a percepção do problema em si”, conta Claudia, da comunidade local. “Não se trata, de fato, de uma emergência, uma invasão que não pode ser administrada como se diz frequentemente, mas é um fenômeno estrutural que é a realidade deste nosso presente histórico. É um fluxo contínuo de pessoas chegando que, se são acolhidas adequadamente e redistribuídas, podem até se tornar talentos para a nossa cidade e para o nosso país. Se o fenômeno migratório não for entendido e abordado com os instrumentos adequados, é destinado a gerar desconfiança, medo, sofrimento, rejeição.”

No outono do ano passado, prevendo o frio, o Bispo de Trieste, monsenhor Enrico Trevisi, expressou o desejo de abrir um dormitório como resposta concreta para acolher os imigrantes. Um grupo de pessoas do Movimento dos Focolares respondeu ao apelo do bispo, oferecendo-se como voluntários com outras associações católicas e cidadãos. “Para nós, não se trata só de um mero serviço de caridade”, explica Claudia, “mas é a oportunidade de encontrar em cada próximo um irmão, uma irmã a ser amado, inclusive nas pequenas coisas: um sorriso ao oferecer uma refeição, a troca de palavras. Frequentemente esses irmãos nos contam uma parte da sua história, suas dores, suas esperanças, nos mostram fotos dos filhos, mas também há momentos de descontração e compartilhamos o tempo com serenidade. Alguns de nós, além disso, acompanharam os imigrantes mais de perto, seja no caso de alguma recuperação médica seja ficando ao lado deles para montar um currículo para que procurem emprego”.

Sandra, da comunidade do Movimento dos Focolares, acrescenta: “Encontramos tempo para conhecer os imigrantes, suas histórias, suas necessidades. Estão nascendo experiências pequenas e grandes que nos envolveram em ajudar também fora do turno dos dormitórios, e elas nos estimulam muito a continuar. Os turnos nos permitiram nos doar com os outros voluntários e descobrir que muitos deles, mesmo não frequentando associações ou paróquias responderam ao apelo do bispo”.

“Aos poucos, os relacionamentos crescem, um sinal de unidade também para a Igreja local”, acrescenta Claudia. “Essa experiência, juntamente com a recente Settimana Sociale dei Cattolici Italiani (Semana Social dos Católicos Italianos), com a presença do papa Francisco, dará um grande sustento a esta nossa cidade de fronteira.”

“Em Trieste conheci os melhores voluntários, que não se limitam a distribuir comida”, conta um hóspede do dormitório diocesano. “Matar a fome dos necessitados e curar as feridas dos doentes são tarefas nobres porque são as mais urgentes e necessárias. Porém, existem outras necessidades extremamente importantes para o ser humano: a saúde de suas emoções, sintomas do estado da alma. Não é uma questão individual ou menor, é o que faz a diferença entre as ações que têm um impacto momentâneo e aquelas que persistem e permeiam toda a sociedade. Os melhores voluntários”, continua, “agem porque têm a consciência de que os necessitados não são depositários de caridade, somos pessoas com uma história que vale a pena escutar. Sabem que cada imigrante traz dentro de si um luto pelas raízes perdidas, ao mesmo tempo, uma esperança que golpeia os muros do sistema e uma luta incessante pela sobrevivência. Os melhores voluntários”, conclui, “se comovem diante desta humanidade adolescente e são encorajados a escutar nossas histórias sem parar diante de barreiras linguísticas: ensinam italiano, aprendem espanhol, usam a tecnologia, renunciam ao seu tempo pessoal, investem a energia no bem comum, sonham com uma comunidade na qual todos possam oferecer o melhor de si mesmos”.

Lorenzo Russo

UNIRedes: esperança para a América Latina e para o mundo

UNIRedes: esperança para a América Latina e para o mundo

A sede de Pedrinhas (SP, Brasil) da Fazenda da Esperança acolhe jovens e adultos que enfrentam vários estágios de recuperação do vício das drogas e de outras formas de dependência e problemas sociais. Não poderia haver um lugar melhor para sediar a conferência da UNIRedes, plataforma de ONGs, projetos sociais, humanitários e agências culturais da América Latina que se inspiram na espiritualidade da unidade de Chiara Lubich. Estavam presentes 140 pessoas de 37 das 74 organizações parceiras da UNIRedes, atuantes em 12 países da América Latina e do Caribe.

O objetivo desse congresso era apresentar o trabalho desses anos a Margaret Karram e Jesús Morán, presentes no encontro, definir os próximos passos em comum com todas as organizações parceiras e fortalecer o vínculo com o Movimento dos Focolares, para poder compartilhar a experiência adquirida, inclusive fora do continente latino-americano.

UNIRedes: uma rede de redes

Maria Celeste Mancuso, argentina, corresponsável internacional do Movimento Nova Humanidade, explicou que a UNIRedes não é unicamente um projeto solidário: “É também um espaço que gera uma reflexão cultural que leva a identificar as categorias antropológicas e epistemológicas necessárias para suscitar uma nova cultura do cuidado para com a pessoa e as sociedades latino-americanas”. Por esse motivo, também fazem parte plenamente as agências culturais inspiradas no Carisma da Unidade, como o Instituto Universitário Sophia (Loppiano, Itália), sua filial local, Sophia América Latina e Caribe (ALC) e o Centro Universitário ASCES UNITA de Caruaru (PE).

Virginia Osorio, do Uruguai, uma das iniciadoras do projeto, falou sobre as origens: “As contínuas mudanças políticas e econômicas em nossos países tornaram nossas organizações cada vez mais frágeis e isoladas. Com a UNIRedes, encontramos um lugar onde podemos nos fortalecer reciprocamente e compartilhar sofrimentos e esperanças. Nosso último projeto foi para o Genfest: centenas de jovens fizeram voluntariado em muitas das nossas organizações, vivendo na própria pele experiências de fraternidade e proximidade com os mais pobres”.

A raiz comum: “morrer pela própria gente”

A primeira raiz da UNIRedes não se baseia em análise geopolítica ou econômica. É preciso voltar ao início dos anos 1970, quando os Gen, os jovens dos Focolares, como inúmeros de seus coetâneos em diversos países, queriam mudar o mundo e suscitar igualdade, justiça, dignidade.

Chiara Lubich, que se encontrava com eles frequentemente, tinha apoiado e confirmado a necessidade de fazer uma revolução social pacífica, especialmente na América Latina, continente que para ela se identificava com essa vocação especial. Ela dizia aos jovens do Movimento dos Focolares: “Cada um de vocês deve sentir isso: nós devemos, sim, morrer pela humanidade, mas é necessário encontrar o nosso Jesus Abandonado local para morrer pela própria gente”[1].



“Então, muitos começaram a atuar na periferia das cidades, nas favelas, onde a pobreza tirava a dignidade das pessoas” – disse Gilvan David, brasileiro, do grupo latino-americana de articulação da UNIRedes. “Nasceram as primeiras ONGs e, enquanto isso, tentamos nos estruturar, mas não foi o suficiente. ‘Vocês vêm até nós’ – os pobres nos diziam –, ‘mas depois vão embora e nos deixam sozinhos’. Para responder a esse apelo, começamos a trabalhar em rede com as políticas públicas locais e, no mesmo período, vários sacerdotes que vivem a espiritualidade da unidade também fundaram projetos sociais: frei Hans com a Fazenda da Esperança, padre Renato Chiera com a Casa do Menor e outros.”

Uma “única” América Latina

“Depois, nasceram os primeiros grupos de organizações”, continuou Gilvan David. “ ‘Sumá Fraternidad’, que reunia os projetos de alguns países de língua espanhola; a associação civil ‘Promoção integral da pessoa’ (PIP), no México, enquanto as organizações sociais brasileiras continuavam a crescer, encontrando a própria identidade e espaço de atuação. Não foram anos fáceis, mas iniciamos várias trajetórias em diversos territórios da América Latina, a fim de sustentar os engajamentos sociais, que depois confluíram na UNIRedes. Nós nos reunimos várias vezes, mas o encontro de fundação foi em 2014, com a presença também de Emmaus Maria Voce e Giancarlo Faletti, então presidente e copresidente do Movimento dos Focolares. Emmaus, naquela ocasião, disse: ‘Vocês dão ao Movimento uma nova visibilidade, um novo significado para a sua ação; vocês são um testemunho para aqueles que os olham de fora; vocês dão visibilidade completa ao Carisma mediante ações concretas’. Eu diria que foi então que nos identificamos como uma realidade única para toda a América Latina: nós nos sentimos abraçados pelo Carisma da Unidade.”

Foram muitas e substanciais as contribuições que edificaram esse congresso, com a apresentação das várias organizações parceiras.

Juan Esteban Belderrain: da desigualdade à esperança

O cientista político argentino Juan Esteban Balderrain analisou o flagelo da desigualdade, do qual a América Latina detém o recorde mundial. “Trata-se de construir uma visão deste continente que parta da esperança. E isso é possível porque, se olharmos para a raiz mais profunda do problema da desigualdade, deparamos com a perda de referência em relação a Deus que é amor e que… os ajuda a compreender que somos irmãos e irmãs, uns dos outros e da natureza, a qual também é uma expressão do Amor de Deus. Referindo-se ao século 20, Paulo VI disse que aquele era um tempo abençoado, porque exigia de todos a santidade. Creio que essas palavras também se aplicam ao nosso tempo.”

Padre Vilson Groh: a “mística dos olhos abertos”

Há mais de 40 anos, padre Vilson mora no “morro”, uma favela em Florianópolis (Santa Catarina, Brasil), e realiza projetos sociais voltados especialmente para os jovens. Ele falou sobre a “mística dos olhos abertos”: “Devemos levar as nossas organizações para os subterrâneos escuros de nossas periferias; ser ali um sinal de esperança. O Genfest trouxe a perspectiva do ‘juntos’, que o papa Francisco promove. Isso requer uma caminhada paciente e resiliente; exige que sejamos firmes na busca do bem comum. A unidade é superior ao conflito, como o Papa sempre diz; e a unidade é pluralidade; trazemos a diversidade para as nossas organizações. O Carisma da Unidade é uma porta para que Cristo chagado abra espaços”.

Vera Araujo: América Latina construtora de fraternidade

A fala da socióloga brasileira se concentrou em uma visão positiva, que sabe reconhecer o patrimônio cultural e humano latino-americano e o oferece como um presente ao mundo.

“A UNIRedes tem suas origens no carisma de Chiara Lubich e pode se transformar em uma oportunidade incrível também para o mundo todo: a unidade vista não apenas como um valor religioso, mas também como uma força capaz de compor com eficácia a família humana, criando uma interação entre a multiplicidade das pessoas e preservando as distinções no contexto das realidades sociais. Aqui o Carisma da Unidade oferece uma solução que não é fácil, um sentido, um significado, uma Pessoa: Cristo abandonado na cruz.

Para amar bem, como se deve”, diz Chiara, “não devemos ver nas dificuldades e nas injustiças do mundo apenas males sociais a serem remediados, mas descobrir neles o rosto de Cristo que não desdenha de se rebaixar diante da esconder na miséria humana[2].”



Susana Nuin Núñez: o caminho dos povos e dos movimentos sociais

A socióloga uruguaia descreveu o caminho e a riqueza social, política, econômica dos povos do continente e de alguns movimentos sociais. “Essas redes, com suas mais variadas fisionomias, com seus desdobramentos nas práticas sociais ou no ambiente acadêmico, atuam de forma complementar, gerando um tecido sociocultural indiscutível, com um caráter comunitário multifacetado, do qual a América Latina é portadora.” Ela enfatiza ainda a peculiaridade da UNIRedes enquanto sujeito social que, há mais de dez anos, cuida, revoluciona, transforma e influencia a partir do Evangelho e da palavra da unidade.

Margaret Karram e Jesús Morán: UNIRedes faz parte do Movimento dos Focolares

“Aqueles que querem viver o Evangelho nesta região estão sempre em crise porque veem desigualdades constantemente”, ressaltou Jesús. “A unidade não pode deixar de assumir essa realidade. Como alcançar a unidade neste continente, sem levar em conta aqueles que são descartados pela sociedade? O que vocês fazem como UNIRedes deve impregnar todo o Movimento nesta região. O trabalho de vocês não terá credibilidade se não se concretizar também por meio de obras sociais. Claro, não seremos nós que resolveremos os problemas sociais. A única coisa que podemos fazer é levar as pessoas a se converterem ao amor. Se tocarmos os corações, alguém assimilará o espírito e, na liberdade, entenderá como viver o Evangelho.”


Margaret incentivou a UNIRedes a ir adiante : “Agora precisamos descobrir como fazer para que a vida e exemplo de vocês chegue a todos, no mundo inteiro”. Citando um tema de Chiara Lubich em 1956, ela reiterou que o Movimento, em seu compromisso social, não deve esquecer que a chave para a solução dos problemas que o Carisma da Unidade oferece está na novidade da reciprocidade, e não na justiça. Promover a partilha, a comunhão entre todos daquele pouco ou muito que temos, a fim de criar um Bem Comum maior que, além de resolver os problemas sociais, produz aquela realização humana e espiritual que só acontece na comunhão entre todos. Por fim, Margaret lançou uma proposta: “Acrescentem um novo artigo à Carta dos princípios e dos compromissos: um pacto solene de fraternidade, a ser proposto àqueles que querem fazer parte da UNIRedes. Estamos aqui para testemunhar o amor mútuo; e só se tivermos esse amor, o mundo acreditará”.

“A UNIRedes nos fala de esperança”, concluiu M. Celeste Mancuso. “É uma proposta transversal e sinodal de uma rede organizativa que pode inspirar modelos semelhantes para as periferias existenciais de outras partes do nosso vasto mundo. Dessa forma, será possível pensar em construir redes globais de fraternidade que promovam o bem comum.”

Stefania Tanesini


[1] Chiara Lubich na “Escola Gen”, Rocca di Papa (Roma, Itália), 15 de maio de 1977.

[2] Chiara Lubich, Por uma civilização da unidade. Discurso proferido no Congresso “Uma cultura de paz para a unidade dos povos”, Castel Gandolfo (Roma), 11-12 de junho de 1988.

Evangelho vivido: “Senhor, é bom ficarmos aqui” (Mt 17,4)

Evangelho vivido: “Senhor, é bom ficarmos aqui” (Mt 17,4)

No momento certo

Um dia, uma pessoa que é colaboradora do nosso centro recebeu um par de tênis novos número 43. Mas a quem poderia servir? Naquele mesmo dia, ficamos sabendo que um garoto de 14 anos que conhecemos precisava justamente de um par de tênis e calçava aquele número! Ele é filho de uma amiga que estava no hospital naquele período. Inclusive, a outra filha tinha visitado o nosso centro naquele dia e soubemos que precisavam de roupas e remédios. Havia nos contado que precisava de um celular para ficar em contato com a mãe no hospital. E… havíamos recebido um alguns dias antes! É impressionante ver como sempre tem “Alguém” que nos fornece justamente aquelas coisas que depois podemos doar!

Uma cama em dois minutos

Estávamos nos despedindo em um domingo que passamos “em família” (é um modo de dizer, porque havia uma centena de pessoas) com atividades para arrecadar fundos para os nossos jovens. Um amigo venezuelano, um dos primeiros que conheci há alguns anos, havia me apresentado um jovem de 18 anos: Jesus. Ele já tinha me contado algumas coisas que viveu desde que havia partido da Venezuela com 16 anos, sozinho! Eram dois anos de aventuras suficientes para fazer um filme de ação, com muitos momentos de suspense. Estava no Peru há quinze dias. Falando com ele, descobri que dormia em um colchonete no chão! Com o primeiro salário (havia encontrado um trabalho rapidamente no Peru), havia programado, de forma diligente, resolver o problema com os documentos e depois pensaria na cama. Naquele momento, eu não tinha uma solução para oferecer, mas combinamos de manter contato. Um tempo depois de termos nos despedido, encontrei uma colaboradora nossa que, sem saber de nada das exigências de Jesus, me perguntou: “Então, o que fazemos com aquela cama?”. “Mas como? Ainda está ali?”, perguntei surpreso. “Sim!”, ela me respondeu. Chamei Jesus que estava saindo do Centro. Ele veio imediatamente e, com a notícia de que já havia uma cama para ele, vi o seu olhar se iluminar. Não havia passado nem dois minutos desde que havia lhe dito que procuraria uma solução para a necessidade dele!

Ultrassom grátis

Muitos dos imigrantes que chegam ao nosso centro precisam de cuidados médicos e, às vezes, também de exames. Há um tempo, tivemos mais uma bênção do céu: um centro médico aqui perto nos ofereceu a possibilidade de fazer ultrassons de graça. Querem oferecer essa possibilidade àqueles que não têm como pagar esses exames. É realmente um presente para muitos dos nossos pacientes.

Silvano R. – Peru

A partir da comunidade “trinacional”, um futuro de fraternidade para a América Latina

A partir da comunidade “trinacional”, um futuro de fraternidade para a América Latina

Nesta encruzilhada de países, onde confluem os rios Iguaçu e Paraná, fica a fronteira mais transitada da América Latina. A área é caracterizada por uma grande diversidade cultural e pela presença secular de povos indígenas, como o grande povo Guarani. O turismo é o maior recurso econômico desta grande região, à qual as pessoas vêm para visitar as Cataratas do Iguaçu, que são as mais extensas do mundo, com uma largura de 7.65 km, e são consideradas uma das sete maravilhas naturais do planeta.

Na sua mensagem de boas-vindas, Tamara Cardoso André, presidente do Centro para os Direitos Humanos e a memória popular de Foz do Iguaçu (CDHMP-FI), explicou que neste lugar desejam dar um significado diferente às fronteiras nacionais: “Queremos que a nossa tríplice fronteira se torne cada vez mais um local de integração, uma terra que todos considerem sua, conforme o entendimento dos povos originais que não conhecem barreiras”.

Foz do Iguaçu, a última etapa

Aqui termina a viagem pelo Brasil de Margaret Karram e Jesús Morán, presidente e copresidente do Movimento dos Focolares. Eles percorreram o país de Norte a Sul: visitaram a Amazônia brasileira, passaram por Fortaleza, Aparecida, pela Mariápolis Ginetta em Vargem Grande Paulista, pela Fazenda da Esperança em Pedrinhas e Guaratinguetá (SP), até Foz do Iguaçu.
Neste local, a família “ampliada” da comunidade trinacional dos Focolares celebra a sua jovem história e narra a contribuição à unidade que este lugar pode oferecer. O abraço de três povos que a espiritualidade da unidade reúne em um só, transcende as fronteiras nacionais, embora cada um mantenha a própria identidade cultural específica. Na ocasião, também estiveram presentes o card. Adalberto Martinez, arcebispo de Assunção (Paraguai), o bispo local dom Sérgio de Deus Borges, dom Mario Spaki, bispo de Paranavaí, e dom Anuar Battisti, bispo emérito de Maringá. Também esteve presente um grupo da comunidade islâmica de Foz do Iguaçu, com a qual há muito tempo existe uma relação de amizade fraterna.

Povos com raízes em comum

Arami Ojeda Aveiro, uma estudante de Mediação Cultural na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), ilustra a trajetória histórica desses povos e as graves feridas que se acumularam ao longo dos séculos. O conflito entre Paraguai, de um lado, e Argentina, Brasil e Uruguai, de outro (1864-1870), foi um dos mais sangrentos da América do Sul em termos de vidas humanas, com consequências sociais e políticas para toda a região. Por outro lado, há também muitos fatores culturais em comum, como a música, a gastronomia, as tradições populares derivadas da mesma raiz cultural indígena, como o mate guarani, uma bebida típica dos três povos.

A cultura guarani é uma das mais ricas e representativas da América do Sul; é um testemunho vivo da resiliência e da versatilidade de um povo que conseguiu preservar sua identidade ao longo dos séculos com uma cosmogonia única, em que a conexão com a natureza e o respeito às tradições são fundamentais e podem ser uma grande riqueza para toda a humanidade.

Arami Ojeda Aveiro conclui assim: “Por isso, a região da tríplice fronteira não representa somente um limite geográfico, mas um espaço multicultural e de cooperação que fortalece toda esta região”.

A comunidade “trinacional” do Movimento dos Focolares

De todas as comunidades do Movimento dos Focolares no mundo, esta tem um caráter único: “Seria impossível sentir que somos uma família se olhássemos apenas para as nossas histórias nacionais”, diz uma jovem argentina. Mônica, do Paraguai, uma das pioneiras da comunidade com Fátima Langbeck, do Brasil, conta que tudo começou com uma oração diária: “‘Senhor, abre-nos o caminho para que possamos estabelecer uma presença mais sólida do focolare e para que o teu carisma de unidade floresça entre nós’. Desde 2013, somos uma única comunidade e queremos escrever outra história para esta terra, que testemunhe que a fraternidade é mais forte do que os preconceitos e as feridas seculares. Estamos unidos pela palavra da unidade de Chiara Lubich, quando ela disse que a verdadeira socialidade supera a integração, porque é o amor mútuo em ação, como foi anunciado no Evangelho. As nossas peculiaridades e diferenças nos tornam mais atentos uns aos outros, e as feridas das nossas histórias nacionais nos ensinaram a nos perdoarmos”.

As apresentações artísticas demonstram a vitalidade e a atualidade das raízes culturais dos povos que moram nesta região: as canções da comunidade argentina que chegou do litoral; o “El Sapukai”, dança paraguaia muito ritmada, que é dançada com até três garrafas na cabeça; a representação do povo Guarani, que entoa uma canção no próprio idioma, louvando a “grande mãe”, a floresta, que deve ser protegida, que produz bons frutos e dá vida a todas as criaturas.

Padre Valdir Antônio Riboldi, sacerdote da diocese de Foz do Iguaçu, que conheceu o Movimento dos Focolares em 1976, continua a narrar a história por escrito: “Os focolares de Curitiba, no Brasil, e de Assunção, no Paraguai, começaram a promover eventos envolvendo pessoas dos três países vizinhos, uma experiência que chamamos de ‘Focolare Trinacional’. A vida eclesial aqui também está caminhando na direção da comunhão, promovendo iniciativas conjuntas entre as diversas dioceses”.

É evidente que a vida desta região e da comunidade local do Movimento dos Focolares não expressa somente a América Latina, mas o mundo inteiro. E manifesta que é possível caminhar juntos, mesmo sendo diferentes. É a espiritualidade da unidade que entra em contato com a essência mais profunda da identidade das pessoas e dos povos, fazendo florescer a humanidade comum e a fraternidade.

As palavras de Margaret Karram e Jesús Morán

“Eu me senti abraçada não por um, mas por três povos”, disse Margaret Karram. “Durante toda a minha vida, o meu sonho era viver em um mundo sem fronteiras. Aqui, tive a impressão de ver esse meu desejo profundo realizado, e é por isso que me sinto parte de vocês. Vocês são a confirmação de que somente o amor remove todos os obstáculos e elimina as fronteiras.”

“Eu vivi 27 anos na América Latina”, contou Jesús Morán, “mas nunca estive nesta região. Vocês passaram por muito sofrimento: os guaranis foram despojados de suas terras e dispersos. O que vocês estão fazendo hoje é importante, mesmo que seja pequeno. Não podemos reescrever a história, mas podemos seguir em frente e curar as feridas, acolhendo o grito de Jesus Abandonado. As feridas são curadas mediante novos relacionamentos inter-regionais também com os povos originários, porque eles são, de fato, os únicos genuinamente “trinacionais”. Eles também receberam a luz de Cristo; não nos esqueçamos do trabalho de evangelização e promoção humana que os jesuítas realizaram nesta região com “las Reduciones”, entre os anos 1600 e 1700. Hoje estamos conectados a essa história, a tudo o que a Igreja faz, e sabemos que a unidade é a resposta em um mundo que precisa de uma alma e de braços para fazer uma verdadeira globalização à altura da dignidade humana”.

Na conclusão, retomando a palavra, Margaret compartilhou aquilo que vivenciou neste mês: “Esta viagem aumentou em mim a fé, a esperança e a caridade. Na Amazônia, nos confins do mundo, a ‘fé’ emergiu com muita força. Conheci pessoas que acreditam firmemente que tudo é possível, mesmo as coisas mais difíceis. Elas sonham e realizam! Gostaria de ter nem que fosse uma pitada da fé delas, como diz o Evangelho: ‘Em verdade vos digo: se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta montanha: transporta-te daqui para lá, e ela se transportará, e nada vos será impossível’ (Mt 17,20). De lá, levo essa fé que move montanhas e a coragem de sonhar com grandes coisas. Em seguida, a palavra do Genfest, que não pode ser outra senão ‘esperança’. Vivemos juntos essa experiência: todo o Movimento estava comprometido com os jovens e para os jovens. Foi também um evento ecumênico e inter-religioso que deu muita esperança.

E, por fim, a ‘caridade’, que vi hoje aqui entre vocês e que tocamos com as próprias mãos nas muitas organizações sociais com as quais entramos em contato este mês: a Fazenda da Esperança, os inúmeros movimentos e as novas comunidades eclesiais com as quais nos reunimos em Fortaleza, o encontro da UniRedes, que reúne todas as organizações sociais e agências culturais da América Latina inspiradas pelo Carisma da Unidade [sobre as quais escreveremos à parte]. Tudo isso expressa ‘caridade’, porque toda realidade social nasce do amor ao próximo, do desejo de dar a vida pela própria gente.

Desta fronteira, nasce uma esperança para todas as comunidades do Movimento dos Focolares no mundo, mas não só no Movimento. Em dezembro passado, sugeri o projeto “Mediterrâneo da fraternidade”, para recolher todas as ações já em andamento e aquelas que surgirão, a fim de construir a paz naquela região que sofre tanto com a guerra. Também poderia partir daqui um projeto de ‘fraternidade para a América Latina’, que possa ser estendido a todos os seus países. Vamos confiá-lo a Maria!”.

Stefania Tanesini

Hong Kong: Uma peregrinação ecumênica

Hong Kong: Uma peregrinação ecumênica

Uma longa viagem para celebrar os 70 anos da criação do Conselho Geral dos Cristãos de Hong Kong, onde pouco mais de 10% dos 7,5 milhões de habitantes professam o cristianismo.

Uma delegação composta por 24 pessoas de diversas tradições cristãs: católica, anglicana, luterana, metodista e pentecostal iniciaram uma peregrinação ecumênica com etapas na Alemanha, Suíça e Itália, visitando cidades como Wittenberg, Augusta, Ottmaring, Genebra, Trento e, finalmente, Roma para rever o passado sem preconceito e estabelecer um novo relacionamento entre todos os membros. “Foi uma oportunidade para conhecer melhor a Igreja do outro. Havia tanta partilha, tanto amor recíproco e nos sentimos como irmãos e irmãs em Cristo, sua única Igreja ”, afirma Theresa Kung.

Acolhido na Mariápolis Permanente de Ottmaring (Alemanha), no Centro Mariápolis “Chiara Lubich” de Trento (Itália) e no Centro Internacional do Movimento dos Focolares em Rocca di Papa (Itália), o grupo pôde conhecer o carisma da unidade que anima o Movimento dos Focolares e apreciar o trabalho de diálogo entre várias Igrejas que se desenvolve há anos no âmbito do Movimento, um “diálogo de vida” que significa, como disse o reverendo Hoi Hung Lin da Missão Tsung Tsin: “Respeitar as diferenças de valores dos outros, dar prioridade ao diálogo e procurar sempre estabelecer relacionamentos fraternos entre as pessoas, entre os grupos étnicos e nas diversas situações culturais”.

Em Roma, o grupo foi recebido no Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos em um encontro de trocas sobre o trabalho desenvolvido a nível mundial.

Como último encontro, no dia 22 de maio de 2024, foram recebidos pelo papa Francisco em uma audiência privada. Depois das saudações e apresentações do cardeal Stephen Chow SJ, bispo católico de Hong Kong, e do reverendo Ray Wong, presidente do Conselho Cristão de Hong Kong, o Santo Padre dirigiu-se aos presentes destacando a importância de “trabalhar juntos para que todos creiam em Jesus Cristo; rezar juntos, rezar pela unidade”. O papa também recordou a amizade cristã que deriva do batismo comum. “ Temos o mesmo batismo e isso nos torna cristãos. Temos tantos inimigos lá fora. Somos amigos! Inimigos, fora; aqui, amigos [1].

por Carlos Mana


[1] Cfr. http://www.christianunity.va/content/unitacristiani/it/news/2024/2024-05-24-conseil-chretien-de-hong-kong.html