Entrevista a Jesús Morán Cepedano, Copresidente do Movimento dos Focolares desde 2014, responsável pelas questões morais e disciplinares segundo os estatutos da Obra de Maria (por Lorenzo Prezzi e Marcello Neri).

Como Copresidente do Movimento dos Focolares, o senhor se encontrou com as vítimas de abusos em Nantes, na França, no último dia 18 de setembro. Pode nos contar o que aconteceu e as suas reações?
Fomos chamados por três das vítimas de Jean-Michel Merlin, um focolarino francês que cometeu os abusos, depois de muito contato que tivemos nos últimos anos, para fazer um balanço da situação e concluir o episódio da melhor forma possível e de maneira justa para eles. Foi uma experiência muito forte para todos nós do movimento que estávamos ali e para mim de modo particular, porque foi um contato com a dor viva, a dor pura de alguém que foi abusado.

Não foi a primeira vez que entrei em contato com vítimas de abuso, mas eu nunca tinha feito uma experiência tão intensa assim de relacionamento com a dor antes. Além disso, foi uma situação muito difícil para nós ao constatar a medida das nossas faltas – sobretudo em relação ao caso de Merlin. Isso envolve o acompanhamento das vítimas, a responsabilização pela situação, a desorientação que tivemos como movimento – inclusive o atraso em dar os passos adequados com relação à situação e aos fatos.

Foi uma experiência que, ao meu ver, foi um divisor de águas: a partir desse relacionamento pessoal com as vítimas mudou muito a visão deste drama. O trabalho que já havíamos começado para tomar as medidas adequadas diante dos casos de abuso no movimento se acentuou ainda mais depois do encontro em Nantes.

A presidente, Maria Voce, tomou a palavra e expressou a vontade de que haja uma clareza total. Em quais situações?
Segundo os estatutos da Obra de Maria, é o copresidente que deve cuidar das questões morais e disciplinares para que as formas de vida no movimento estejam de acordo com a doutrina da Igreja. Trata-se de uma tarefa específica sua, mas é sempre feita em unidade e em acordo pleno com a presidente. Nesse sentido, há anos, Maria Voce sempre apoiou todo o meu trabalho. Depois, houve duas ocasiões particulares em que nos expressamos juntos.

A primeira vez em 26 de março de 2019, com uma carta escrita a todos os membros do movimento, na qual foram reconhecidas publicamente as nossas faltas, o fato de que verificou-se que houve abusos também dentro da Obra de Maria: afirmando o nosso comprometimento, sobretudo com as vítimas, para reparar tudo o que havia para ser reparado.

Na segunda vez, mais recentemente, nos expressamos mais uma vez juntos em um collegamento mundial durante o qual pedimos perdão publicamente a todas as pessoas que sofreram abusos no Movimento dos Focolares, seja sexual, seja abusos de autoridade ou de poder.

Qual foi o impacto nos membros do Focolare e do movimento diante da revelação de casos de abuso?
Em tantos, a primeira reação foi de quase incredulidade e desgosto: foi um impacto muito forte, porque, para muitos, era impensável que fatos tão dolorosos pudessem ocorrer em um movimento fortemente marcado pelo amor recíproco, em que os relacionamentos têm uma importância espiritual central. Há alicerces do movimento que vão em uma direção totalmente contrária a todas as formas de abuso, como ver Jesus no outro, a vida de unidade, que nos levam a acreditar que os abusos são impensáveis na nossa realidade.

Entrar no que Catarina de Siena chamava de “casa do conhecimento de si” foi um processo doloroso para os membros do movimento: ou seja, descobrir nossa inadequação, inclusive no que diz respeito a colocar em prática a vida de unidade, do carisma. Mas trata-se de um processo fundamental para descobrir a própria inadequação e partir de novo com uma confiança não mais ingênua em relação a Deus e aos outros. Essa foi fundamentalmente a experiência de muitas pessoas do movimento – nos escreveram, disseram e comunicaram.

As demissões dos responsáveis franceses do movimento e o caso inacreditável de Jean-Michel Merlin são sintomas de alguma fragilidade nos processos de formação interna?
Sim, obviamente. Eu disse isso em um comunicado recente aos membros do movimento: essas situações de abuso evidenciaram algumas fragilidades nos percursos formativos e, portanto, devemos cuidar da formação em todas as fases com uma atenção maior às pessoas.

De modo particular, devemos fazer um discernimento vocacional sério e verdadeiro – e me refiro aqui não somente aos consagrados, mas também à vocação de qualquer pessoa que queira se empenhar fortemente no movimento.

Outro ponto é cuidar melhor e acompanhar as pessoas a quem são confiadas funções de responsabilidade, assegurando que tenham uma formação integral, que tenham capacidade de relacionamento adequada, de escuta, de acolhimento com relação às pessoas. Quanto a tudo isso, trata-se de estabelecer modos de verificar o percurso de formação.

Minha impressão é que colocamos uma confiança total na força da espiritualidade e do carisma por anos, mas isso nos levou algumas vezes a negligenciar de algum modo aspectos humanos de que agora somos conscientes e que devem ser observados mais de perto. Isso, olhando tanto o progresso das ciências humanas quanto os avanços nesse campo que estão sendo feitos dentro da Igreja.

Quando se abrem as comportas dos testemunhos, eles se multiplicam. O senhor tem a percepção de que isso possa acontecer também no movimento, ou seja, que depois do caso de Merlin, possam emergir outras denúncias de abusos?
Sim, já estamos verificando e nos preparando para isso, porque estão chegando outras denúncias e aqui é preciso fazer um discernimento verdadeiro com as verificações necessárias. Em alguns casos, trata-se mais de tensões e conflitos de relacionamento que não se configuram como abusos; em outros casos, trata-se de verdadeiros abusos dos quais não sabíamos, que devem ser tratados como tais com o devido rigor e atenção. Trata-se de um processo de “purificação da memória” que queremos viver com humildade e esperança.

Quais instrumentos vocês implementaram para responder essas denúncias de abusos dentro do movimento?
Temos duas comissões que se encarregam de situações como essa: uma comissão para o bem-estar e a proteção integral de crianças e adolescentes e pessoas vulneráveis, que já está em operação há alguns anos com um regulamento interno que foi revisado ultimamente, e uma comissão independente das estruturas de governo do movimento para a proteção integral da pessoa, ou seja, para adultos que podem sofrer abusos de autoridade, poder e até mesmo sexual.

Esse segundo instrumento é mais recente, com menos experiência com relação à primeira comissão, e justamente nesses dias, depois de cerca de quatro anos de atividade, está redigindo um novo estatuto alimentado pelas experiências feitas até hoje, que será tornado público assim que tiver sua versão escrita definitiva.

Esses dois instrumentos agem a nível central; quanto à proteção integral de crianças e adolescentes, também há comissões regionais. Pode ser que se tome essa direção também na proteção integral da pessoa, ligada com os organismos centrais. Estamos avançando com todo esse trabalho em diálogo com o Dicastério para os leigos, porque sentimos a exigência de melhorar os procedimentos sempre a fim de que fique bem claro como é possível dirigir-se a esses órgãos como verificar os vários casos quando há abusos propriamente.

Depois, devemos instituir organismos de vigilância a todos os vários níveis. A comissão pela proteção integral de crianças e adolescentes já tem. Nesses órgãos de vigilância, estarão pessoas de fora do movimento para garantir uma transparência maior.”

Pode dizer algo com relação à procuração à sociedade britânica GCPS Consulting que se refere a uma investigação dos possíveis abusos dentro do movimento?
Trata-se de um comprometimento com as vítimas que encontramos em Nantes. Elas pediram uma comissão totalmente independente, ou seja, não só independente do governo da Obra composta de membros que não têm funções de governo, mas também da Obra, ou seja, composta de pessoas que são de fora do Movimento.

Depois de uma pesquisa que durou alguns meses, encontramos essa sociedade britânica que, por enquanto, cuidará somente do caso de Merlin – porque trata-se de um caso grave e exemplar. Veremos como as coisas evoluem, acabamos de dar a procuração para a sociedade britânica e estamos começando a trabalhar com eles. O processo de investigação provavelmente levará um ano: seja quanto aos fatos, porque ainda devemos ver o número real de casos; seja quanto às decisões a serem tomadas e à responsabilidade que temos de assumir.

Qual é o papel das vítimas nessa análise interna?
O papel das vítimas é fundamental: por exemplo, participarão da investigação que encarregamos à GCPS Consulting, sobretudo na elaboração da agenda de operação; O contato com as vítimas é permanente, nesses meses, os comuniquei de cada passo que demos como movimento. Portanto, as vítimas participarão de todo o processo e estamos sempre em contato em cada caso e situação, na medida do possível.

A próxima Assembleia geral do movimento, que começará no fim de janeiro, prevê algum tipo de informação sobre esses fatos?
Sim, o tema dos abusos foi incluído no relatório dos seis anos da presidente que abrirá a Assembleia, e também está prevista uma fala ad hoc do Copresidente. Nesse sentido, o tema não será apenas apresentado, mas também aprofundado e discutido durante a Assembleia.

O senhor sublinhava a grande confiança no carisma fundador de Chiara, confiança que, por exemplo na recente transmissão televisiva sobre Chiara Lubich, foi testemunhada inclusive a um público muito amplo. Esse patrimônio é renovado, colocado à prova, por esses eventos e de que maneira pode ser reproposto?
A transmissão sobre Chiara, mesmo sendo uma ficção com os limites e méritos do gênero, foi um grande dom para todos nós, sobretudo para os membros mais jovens do movimento que não conheceram uma Chiara Lubich jovem. Acredito que a ficção tenha conseguido ressaltar bem o verdadeiro fruto do carisma da unidade, ou seja, um povo que nasceu do Evangelho e vive pela fraternidade universal, com ênfase na comunhão e abertura à humanidade com atenção à dores do mundo. Acho que são temas de grande atualidade.

Portanto, nos encontramos diante de uma ficção que pode ser um grande estímulo para ir para frente na encarnação do carisma na Igreja e na sociedade.

Fonte: http://www.settimananews.it/
http://www.settimananews.it/ministeri-carismi/focolari-abusi-uno-spartiacque/

 

5 Comments

  • An Australian internal married focolarino […] at the Ballarat Mariapolis in January 1995 did not respect what I as a helper of families considered to be my rights to family members of valid and proper marriages keeping in uncertainty the inseparability and qualitative equality of their identities’ need of union and my procreation gift role within the family as a helper of families by preventing my providing education for love within my family at this Mariapolis.

  • Ci siamo ritrovati tutti più fragili e, come di Maria Voce, non esenti dai mali presenti nelle comunità umane e, purtroppo, anche religiose. Pur tuttavia questo va distinto dal carisma, cioè dal dono che Dio ha fatto in questo periodo all’umanità intera, ma va affrontato, come è affrontato, con la massima trasparenza e una maggiore attenzione a che questi fatti non si verifichino più. Ringrazio i responsabili centrali del movimento perché mi sembra siano in questa linea appunto di trasparenza e di maggiore attenzione per tutelare le nuove generazioni, ma anche le forme di rigidità o di superficialità a cui abbiamo assistito. Mi unisco allo sconcerto e alla sofferenza di chi ha subito tali abusi. Sono però anche molto fiducioso che un tale carisma, nato da pochi anni, possa ritrovare la forza che ha saputo infondere Chiara e che sanno infondere anche gli attuali responsabili dell’Opera. Grazie

  • Bellísimo.Creo que estos pasos que se dan en la Obra, anima a que personas que, si bien no han sufrido abusos de parte d la Obra, sufren pequeños abusos de autoridad en sus propias vidas.Esto toene una dimension increíble.

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