Movimento dos Focolares
A Laudate Deum do Papa Francisco

A Laudate Deum do Papa Francisco

Oito anos depois da encíclica Laudato Si, o pontífice, com a Exortação Apostólica “Laudate Deum“, faz um apelo a todos os homens de boa vontade para que reajam de modo adequado à crise climática. Muito pouco foi mudado de fato. O mundo “está-se esboroando e talvez aproximando dum ponto de rutura” [2]. Na semana passada, veio a notícia do observatório climático da União Europeia (Copernicus) segundo a qual “setembro foi o mês mais quente da história (a partir de 1850). O aumento da temperatura é, com certeza, um dos sintomas mais aparente da mudança climática. No último mês de julho, a mais renomada revista mundial do segmento “Natureza” demonstrou que as ondas de calor do verão de 2022 causaram quase 63 mil mortes na Europa. Obviamente, não devemos fazer considerações catastróficas porque as margens de mudanças de rota ainda são possíveis, mas é preciso rejeitar categoricamente todo negacionismo irracional e não-científico. Depois de ter respondido com uma atitude decisiva a todas as objeções comuns contra a crise climática em curso, o pontífice destaca: “Vejo-me obrigado a fazer estas especificações, que podem parecer óbvias, por causa de certas opiniões ridicularizadoras e pouco racionais que encontro mesmo dentro da Igreja Católica” [14]. Evita culpar os pobres. “Como esquecer que a África, que alberga mais de metade das pessoas mais pobres do mundo, é responsável apenas por uma mínima parte das emissões no passado?” [9]. Bergoglio dirige a cada um de nós um chamado a “acompanhar este percurso de reconciliação com o mundo que nos alberga e a enriquecê-lo com o próprio contributo” [69]. Infelizmente, alguns efeitos da crise climática já são irreversíveis: algumas espécies “deixaram de ser nossas companheiras de viagem para se tornar nossas vítimas” [15]. E não podemos não “reconhecer que a vida humana não se pode compreender nem sustentar sem as outras criaturas” [67]. Tudo o que não pode nos deixar ainda mais indiferentes. Para consentir a mudança é preciso mudar seja o modo como “olhamos” os outros e a natureza, seja o modo como exercitamos o poder de alcançar um escopo. Mesmo os pequenos passos individuais são importantes: podem não trazer um resultado imediato e significativo, mas podem abrir caminho para uma mudança cultural e “realizar grandes processos de transformação que agem a partir do nível profundo da sociedade” [71]. Cuidar de cada dimensão do nosso planeta é um desafio coletivo que requer uma resposta coletiva. Nesses anos foram muitos os esforços globais, mas com resultados desapontadores: promessas não mantidas e objetivos adiados. Mas “se temos confiança na capacidade do ser humano transcender os seus pequenos interesses e pensar em grande, não podemos renunciar ao sonho de que a COP28 leve a uma decidida aceleração da transição energética, com compromissos eficazes que possam ser monitorizados de forma permanente” [54]. Nós também não podemos renunciar a esse “sonho”. É uma aposta conquistar todas as pessoas de boa vontade para trabalhar por um mundo no qual valha a pena viver.

Stefania Papa

A força para não se render ao mal

Depois da agressão terrorista sofrida por Israel, do horror da violência desencadeada, da onda de medo que abalou os dois povos, da angústia pelos reféns e da suspensão pelo destino do povo de Gaza: notícias das comunidades dos Focolares na Terra Santa e um apelo mundial à oração e ao jejum pela paz, em 17 de outubro. Deixamos as nossas casas e todos os cristãos se refugiaram nas igrejas”. Esta é a breve mensagem que recebemos esta manhã de alguns membros da comunidade dos Focolares em Gaza. São as últimas notícias que recebemos deles. Segundo o padre Gabriel Romanelli, pároco da paróquia católica da Sagrada Família em Gaza, ainda vivem na Faixa 1017 cristãos e entre eles há vários aderentes do Movimento dos Focolares com quem a comunicação é cada vez mais esporádica e difícil. E, apesar disso, nos últimos dias circulou uma mensagem de um deles para agradecer a todos pela proximidade e orações pela pequena comunidade de Gaza.  “Vocês me deram a força para não me render ao mal”, escreve, “para não duvidar da misericórdia de Deus e acreditar que o bem existe. Em meio a todas as trevas, tem uma luz oculta. Se não pudermos rezar, rezem vocês. Nós oferecemos e assim é completo aquilo que fazemos. Queremos gritar ao mundo que desejamos a paz, que a violência gera violência e que a nossa confiança em Deus é grande. Mas se Deus nos chamasse para Si, tenham a certeza de que do céu continuaremos a rezar com vocês e a implorar com mais força para que tenha compaixão do seu povo e de vocês. Paz, segurança, unidade e fraternidade universal, é isso que desejamos e essa é a vontade de Deus e também nossa“. Margaret Karram: em meio ao ódio, notícias da fraternidade É preciso coragem para dizer isso hoje, quando o horror e a violência ocupam todo o espaço da mídia, mas estas não são as únicas notícias. Existem aquelas que são menos gritadas, mas que não podem ser silenciadas, como a rede mundial de oração que existe em todos os pontos da Terra, independentemente da crença religiosa e filiação, juntamente com gestos e palavras de fraternidade. Margaret Karram, presidente do Movimento dos Focolares, disse isso ontem no habitual briefing na Sala de Imprensa do Vaticano, fora do âmbito do Sínodo da Igreja Católica em curso, do qual participa como convidada especial. Amigos judeus que conheço em Israel “, diz ela, “ligaram para mim, uma árabe-palestina, dizendo que estão preocupados com aqueles que vivem em Gaza. Para mim, é uma coisa muito bela. Todos conhecem as histórias negativas entre esses dois povos, mas muitas pessoas, muitas organizações trabalham para construir pontes e ninguém fala sobre isso. Só se fala em ódio, divisão, terrorismo. Criam-se imagens coletivas desses dois povos que não correspondem à realidade. Não podemos esquecer que ainda hoje muitas pessoas trabalham para construir pontes. É uma semente plantada, mesmo nesta hora difícil.” Dos amigos judeus: formar uma comunidade de oração Para confirmar isso, de uma cidade no distrito de Tel Aviv, um amigo judeu nos escreve: “Se estiverem em contato com os amigos dos Focolares em Gaza, enviem para eles o meu amor e proximidade. Espero que estejam todos a salvo. Hoje estou em casa com a minha família, as escolas estão fechadas e ficamos perto dos refúgios. Nos bate-papos aparecem continuamente apelos e ofertas de ajuda para as famílias que fugiram, para os soldados e suas famílias. Chegam também pedidos de ajuda para os enterros, para homenagear os mortos como devem ser honrados. Parece que todos os jovens foram chamados às armas e tememos por amigos e parentes. Tememos o que vem pela frente. Tento proteger meus filhos do medo, mas o nosso horror é insignificante em comparação com o que aconteceu com os nossos irmãos e irmãs no Sul. Penso nos meus amigos árabes em Israel, que correm para os refúgios como nós. Procuro rezar na mesma hora do meu amigo muçulmano, para que possamos ser uma comunidade de oração, embora muitas coisas nos dividam. Aprecio o desejo de vocês de estarem conosco, juntos, e as suas orações muito além das minhas palavras“. O que podemos fazer? Na conferência de imprensa, Margaret Karram exprimiu a dor e a angústia que sente pelo seu povo, por ambos os lados: “Eu me perguntei, o que estou fazendo aqui? Neste momento não deveria unicamente agir para promover a paz? Mas depois disse a mim mesma: também aqui posso associar-me ao convite de Papa Francisco e às orações de todos. Com estes irmãos e irmãs de todas as partes do mundo, podemos pedir a Deus o dom da paz. Acredito no poder da oração“. Ela depois falou da ação: “Chega de guerras!! VAMOS CONSTRUIR A PAZ!” que as crianças, adolescentes e jovens dos Focolares lançaram juntamente com a associação Living Peace [Viver a Paz]. Reúnem os seus coetâneos para rezar pela paz às 12:00 [meio-dia], todos os dias e em todos os fusos horários; depois propõem-se preencher o dia com gestos que construam a paz no coração de cada um e à sua volta; convidam a enviar mensagens de apoio às crianças, adolescentes e jovens da Terra Santa e os encorajam a pedir aos governantes de seus países que façam tudo o que puderem para obter a paz. O Movimento dos Focolares também adere ao apelo do Patriarca Latino de Jerusalém, o Cardeal Pizzaballa, para um dia de jejum e oração pela paz, no dia 17 de outubro: “Que sejam organizados momentos de oração com adoração eucarística e o terço à Santíssima Virgem. As circunstâncias em muitas partes de nossas dioceses provavelmente não permitirão a reunião em grandes assembleias. Nas paróquias, comunidades religiosas e famílias, será possível se organizar com momentos simples e sóbrios de oração comum”.

Stefania Tanesini

Síria, a esperança dos jovens em meio às ondas de violência

Síria, a esperança dos jovens em meio às ondas de violência

O Médio Oriente continua a sofrer violência, confrontos e ataques terroristas. A história de Joseph, um jovem sírio membro do Movimento dos Focolares, que, junto com outros jovens, alimenta a esperança de paz numa terra tão atormentada. O pesadelo dos massacres em massa volta a causar medo. O Oriente Médio ainda é devastado por guerras, ataques terroristas, violências de todos os tipos que só causam mortes. Na Síria, no dia 6 de outubro, drones carregados de explosivos caíram sobre uma academia militar em Homs durante uma cerimônia festiva. O número é de cerca de cem mortes, das quais cerca de trinta são mulheres e crianças. No dia seguinte, ocorreu outro ataque semelhante durante as celebrações fúnebres, felizmente neutralizado a tempo. Não faltou resposta síria com uma chuva de bombas em Idlib, numa área fora do controle do governo. Uma escalada de violência à qual o enviado especial das Nações Unidas para a Síria, Geir O. Pedersen, responde apelando imediatamente ao cessar-fogo, à protecção dos civis e ao início das negociações de paz. Neste cenário de guerra, enquanto a violência continua a intensificar-se e parece não haver esperança de um futuro pacífico, alguns jovens sírios pertencentes ao Movimento dos Focolares reuniram-se para o seu encontro anual. Joseph Moawwad, 24 anos, participou no congresso e escreveu-nos para partilhar a sua experiência pessoal. “Tenho passado por um período muito difícil ultimamente, uma sensação de tibieza, sem entusiasmo; também para este congresso, talvez pelas fortes tensões que vivo e que os jovens sírios vivem. As consequências da guerra ainda duram 13 anos, mais recentemente o ataque a Homs há poucos dias. Soubemos da notícia logo no início do congresso. Apesar disso, a grande surpresa foi encontrar 90 jovens do Focolare vindos de todas as regiões sírias. Eu me senti como numa tempestade que removeu as cinzas que cobriam as brasas do meu coração, e assim o “fogo” em mim se reacendeu. Experiências de comunhão, de partilha, de fraternidade entre nós e aquela tensão de viver o amor mútuo para ter a presença de Jesus entre nós (cit. “Onde dois ou mais estiverem unidos em meu nome, eu estou entre eles“, Mt 18,15 -20) apagou tudo que eu sentia antes e fez com que aquela pequena chama que senti reacendida em mim se tornasse mais poderosa. No final do dia, durante a oração comunitária, senti que tinha que tomar uma decisão: acalentar aquela “chama” que há muito sentia acesa, fazê-la crescer, dá-la aos mais fracos, pessoas mais desanimadas. Descobri que a unidade com os outros jovens do Movimento dos Focolares, o amor mútuo que nos une, é a solução para todo este ódio e mal que vivemos. E depois a presença de Jesus em nós e entre nós: é Ele quem nos dá força e nos dará esperança de um futuro melhor”.

Lorenzo Russo

Diálogo, educação, trabalho: um pacto para gerar a paz

Diálogo, educação, trabalho: um pacto para gerar a paz

Na mensagem para o Dia Mundial da Paz, dia 1º de janeiro, o Papa Francisco lançou uma forte advertência aos políticos que investem em armas, ao invés que em instrução. O que fazer para dar esperança aos jovens e inverter esse caminho? Foi o que perguntamos ao professor Buonomo, reitor da Pontifícia Universidade Lateranense. Segundo o Banco Mundial, existem hoje quase 100 milhões de pessoas a mais que vivem em estado de empobrecimento, por causa da pandemia de Covid 19. E os gastos militares no mundo, em 2020, não obstante a Covid, aumentaram até chegar próximo aos 2 bilhões de dólares (em 2019 eram 1650 milhões), segundo o relatório do Instituto de pesquisa internacional para a paz de Estocolmo, (Sipri). Tais dados levaram o Papa Francisco a difundir uma mensagem dura, mas cheia de esperança, para o 55º Dia Mundial da Paz. Nela ele propôs três elementos, diálogo entre as gerações, educação e trabalho: instrumentos para edificar uma paz duradoura. Como contextualizar essa mensagem dentro dos desafios que a sociedade vive hoje? Foi o que perguntamos ao professor Vincenzo Buonomo, reitor da Pontifícia Universidade Lateranense (Roma). Como efetuar o diálogo entre as gerações para construir a paz? Na realidade de hoje, quando seja a pandemia seja o desenvolvimento tecnológico criaram tanta solidão e indiferença, que tipo de confiança pode embasar tal diálogo? “Antes de tudo, a mensagem do Papa apresenta o diálogo não apenas como objetivo para a relacionamento entre as gerações, mas como método. Acredito que este seja o aspecto mais importante a ser percebido e é o aspecto que nos permite tornar o diálogo um instrumento efetivo para a paz; porque muitas vezes nós ligamos ao elemento diálogo somente a possibilidade de comunicar. Na realidade, o diálogo pressupõe algo a mais: existe um pacto entre as gerações, um pacto no qual a palavra que se dá possui um significado. Com muita frequência fizemos do diálogo apenas um instrumento técnico e não algo que compartilhamos e que, sendo assim, torna-se um método ou uma atitude cotidiana”. A instrução e a educação, nos últimos anos, são consideradas despesas, mais do que investimentos. E aumentaram as despesas militares. Quais passos os políticos devem dar para promover uma cultura do ‘cuidado’ e não uma cultura da ‘guerra’? “A relação entre o educador e aquele que é educado é um relacionamento que deve ser construído diariamente, sobre a base de renúncias de ambas as partes. Este tipo de metodologia da educação deveria servir inclusive para as grandes questões que estão diante da humanidade. O problema da corrida armamentista, e a subtração de recursos para outros âmbitos, é principalmente o de ligar as armas a um conceito de potência. Por meio da educação, portanto, devemos procurar que avancem valores compartilhados. É este o aspecto que a mensagem do Papa coloca em evidência, porque se existem valores compartilhados – a paz, por exemplo – isso torna-se um modo para superar o conflito. Mas o conflito se supera eliminando as armas, ou seja, é um conceito que continua, como uma corrente”. O trabalho é o lugar onde aprendemos a dar a nossa contribuição para um mundo mais vivível e mais bonito, e é um fator de preservação da paz. A precariedade e a exploração do trabalho, porém, aumentaram com a pandemia. O que se pode fazer para dar aos jovens a esperança de lutar contra a precariedade e a exploração? “O trabalho não é simplesmente um elemento que garante a paz social, como se diz tradicionalmente. O trabalho é algo que garante a paz. Se falta o pressuposto do trabalho, falta a educação, falta o relacionamento entre as gerações, falta o diálogo. Porque a pessoa não tira só o sustento, do trabalho, mas exprime a própria dignidade. Encontramos isso no magistério da Igreja e do Papa Francisco, que várias vezes o salientou. Consequentemente, os políticos, ou melhor, aqueles que tem responsabilidades, os chamados ‘decisores’, devem fazer do trabalho uma prioridade e não uma das tantas vozes da agenda política. Creio que as jovens gerações não precisam só de um local de trabalho, mas de um trabalho que consiga exprimir as suas qualificações e, sobretudo, que os faça sentirem-se protagonistas nas decisões, relativas ao trabalho. E o elemento que conecta as três vozes – diálogo, educação, trabalho – é a palavra pacto. O pacto entre as gerações, o pacto educativo, o pacto do trabalho: esta é a palavra-chave que os coloca em função da paz. De outra forma seriam três elementos dispersos e não conjugados entre si”. Clique aqui para ler a mensagem do Papa para o 55º Dia Mundial da Paz.

Lorenzo Russo

Margaret Karram: rotatividade e estilo sinodal

Entrevista à presidente do Movimento dos Focolares publicada pela edição italiana de Cidade Nova, a respeito do Decreto do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida sobre a rotatividade dos cargos de governo nas associações leigas. Favorecer a rotatividade. Aprovado pelo papa Francisco, no dia 3 de junho passado, o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, promulgou um Decreto que regula a duração de mandatos de governo nas associações internacionais. A norma (com os respectivos aprofundamentos específicos, incluindo possíveis dispensas para os fundadores), indica uma duração máxima de cinco anos de mandato individual por um período máximo de dez anos consecutivos, enquanto uma nota explicativa detalhada ajuda a compreender o espírito da disposição: favorecer uma comunhão eclesial maior, uma sinodalidade mais ampla, um autêntico espírito de serviço, evitar personalismos, abusos de poder, aumentar o ardor missionário e um verdadeiro estilo evangélico. Conversamos sobre isso com a presidente do Movimento dos Focolares, Margaret Karram. Presidente, causou surpresa a vocês o Decreto do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida sobre a rotatividade nos cargos de governo das associações leigas? Não esperávamos um decreto dessa natureza nesta época do ano, mas o conteúdo não nos surpreendeu. Há anos foi ativado um processo no Movimento dos Focolares que leva em conta a rotatividade nos órgãos de governo, na sede internacional e nos países nos quais estamos presentes, estabelecendo limites nos mandatos. O Decreto nos mostrou mais uma vez que a Igreja é mãe. Ao cuidar de associações como a nossa, ela acompanha e ajuda todas as realidades a encontrarem formas organizacionais que lhes permitam permanecerem fiéis ao próprio carisma e missão, em sintonia com o caminho da Igreja no mundo de hoje. Por isso acolhemos plenamente o espírito e as determinações do Decreto, que, além disso, responde à reflexão aberta no Movimento sobre a representatividade nos órgãos de governo, já compartilhada com o Dicastério. O incipit do decreto afirma que “as associações internacionais de fiéis e o exercício do governo dentro delas são objeto de especial reflexão e consequente discernimento por parte do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida”. Vocês sentem alguma preocupação em relação aos movimentos em geral? E em relação ao Movimento dos Focolares? Eu diria que o Dicastério dá certamente uma atenção particular aos Movimentos, e disso somos testemunhas, tendo em conta que é uma sua competência particular. Além disso, sendo uma realidade tão variada, o Dicastério certamente também tem algumas preocupações. O próprio Decreto sublinha o «florescimento» destas associações e reconhece o fato de terem trazido «à Igreja e ao mundo contemporâneo uma abundância de graça e de frutos apostólicos». Não é intenção da Igreja refrear o ardor carismático dos movimentos, sua força inovadora e seu impacto missionário. Quer ajudá-los a realizar os próprios objetivos, sempre orientados para o bem da pessoa, da Igreja e da sociedade. O Decreto oferece elementos estruturais que podem ajudar a reduzir alguns desses riscos, limitando o tempo que uma pessoa pode ocupar cargos no governo. Porém, não vejo nessas intervenções uma concentração particular no Movimento dos Focolares, até porque a alternância de cargos governamentais já está incluída em nossos Estatutos. O papa Francisco, em seu discurso aos participantes do III Congresso Mundial de Movimentos Eclesiais e Novas Comunidades, em novembro de 2014, indicou um método para alcançar a maturidade eclesial também desejada por seus dois predecessores: «Não se esqueçam de que, para alcançar este objetivo, a conversão deve ser missionária: a força para vencer  as tentações e as lacunas vem da profunda alegria do anúncio do Evangelho, que está na base de todos os seus carismas». O que você pensa a respeito? Concordo plenamente! O desejo do Papa exige de nós um duplo compromisso: é necessário voltar sempre ao Evangelho, à Palavra de Deus e ter consciência de que o carisma do próprio fundador nada mais é do que uma leitura nova e atual das palavras de Jesus, iluminadas por um dom do Espírito Santo que leva a vivê-las de um ângulo particular. Devemos levar em conta que a espiritualidade que nasce de um carisma é uma forma de anunciar o Evangelho e, portanto, de trabalhar pelo bem da Igreja e da humanidade. Basta uma rotatividade geracional saudável, uma alternância de pessoas em cargos de direção para garantir um governo sinodal, feito com espírito de serviço e capaz de não repetir os erros do passado, do personalismo ao abuso de poder? Eu penso que isso não pode ser suficiente para que se concretize uma verdadeira mudança cultural, duradoura e frutífera. Creio que devemos primeiramente nos perguntar qual é o propósito do governo de uma associação como a nossa. Não se trata de mudança geracional, embora seja importante, nem mesmo de repetição de erros do passado. O objetivo principal do nosso governo – como, creio, de todo Movimento eclesial – é garantir que o Movimento avance e se desenvolva no espírito genuíno do seu carisma, seguindo o desígnio que dele flui e realizando os propósitos para os quais o Espírito Santo o fez nascer. O próprio Decreto destaca que o governo «seja exercido em coerência com a missão eclesial das mesmas (associações), como serviço direcionado à realização dos próprios fins e à proteção dos membros». É um trabalho de atualização, aperfeiçoamento e renovação contínuos, que exige, antes de tudo, a conversão dos corações ao Evangelho e às próprias raízes carismáticas. A mudança geracional nos órgãos de governo, através da rotatividade frequente nos cargos de governo, pode favorecer a atualização de uma associação, pode ajudar a evitar – como diz uma nota explicativa do Dicastério – «formas de apropriação do carisma, personalismos, centralização de funções, bem como expressões de autorreferencialidade, que facilmente causam graves violações da dignidade e da liberdade pessoais e até mesmo reais abusos». Mas a rotatividade de funções por si só não garante uma gestão justa do poder. São necessários outros elementos que estamos implementando e aprimorando constantemente há vários anos, como, por exemplo, um caminho de formação espiritual e humana para uma liderança coerente com o estilo evangélico e com o próprio carisma, portanto, um estilo de governo que focaliza o discernimento comunitário, com novas formas de acompanhamento e modalidades sinodais para a escolha dos candidatos a cargos de governo. Concretamente, daqui a três anos, várias pessoas eleitas durante a Assembleia Geral em fevereiro passado deverão ser substituídas. Vocês já têm uma ideia de como proceder também para alterar os atuais Estatutos que preveem a duração do mandato de seis anos e a possibilidade de um segundo mandato? Em alguns pontos já estamos em sintonia com o novo Decreto, principalmente no que se refere ao limite máximo de dois mandatos consecutivos para cargos de governo; o que precisa ser alterado agora é a duração: de 6 para 5 anos. Já tínhamos constituído uma comissão para a necessária revisão dos nossos Estatutos em vários pontos, à qual se acrescenta agora o trabalho prioritário de adaptação ao Decreto. É um trabalho que queremos fazer com calma e com atenção, porque não só desejamos aceitar “literalmente” esta nova legislação, mas também e principalmente o seu espírito, estudando bem como concretizá-lo não só nos órgãos centrais e internacionais, mas em grande escala, também nos governos locais dos centros territoriais. Em todo caso, queremos fazer tudo em diálogo com o Dicastério, aprofundando alguns aspectos específicos e algumas dúvidas. Eles disseram expressamente que estão prontos para nos ouvir sobre eventuais questões. O Papa Francisco, encontrando-se com os participantes da Assembleia Geral, destacou algumas questões às quais dar especial atenção:   autorreferencialidade, importância das crises e saber gerenciá-las, coerência e realismo em viver a espiritualidade, sinodalidade. O que foi feito ou será feito para dar seguimento a essas indicações? Consideramos o discurso do Papa Francisco aos participantes da Assembleia Geral como um documento programático, bem como o documento final da própria Assembleia. É com grande alegria que constatamos o quanto o aprofundamento e a busca de formas de aplicação destes dois documentos estão dando frutos nas diversas áreas geográficas onde o nosso Movimento está presente. Estão emergindo dois pontos centrais: a escuta atenta do grito de sofrimento da humanidade que nos rodeia, na qual redescobrimos o semblante de Jesus crucificado e abandonado, e um novo espírito de família em nosso Movimento para além de qualquer subdivisão. Isso expressa o cerne da nossa espiritualidade: oferecer ao mundo um modelo de vida no estilo de uma família; isto é, irmãos e irmãs em nível universal, unidos entre si pelo amor fraterno para com cada homem e mulher, preferencialmente por aqueles que mais sofrem, pelos mais necessitados. Com que estilo e com quais modalidades começou o novo governo do Movimento dos Focolares? Margaret Karram tem no coração novidades a respeito? Para mim, é particularmente importante viver uma experiência de “sinodalidade” no governo do Movimento. Isso significa fazer tudo com espírito de escuta e reavivar nas relações interpessoais aquele amor fraterno, de verdade e de caridade, evangélico, que também ilumina o lugar que cada um tem, ou seja, o lugar central. Como Conselho Geral, por exemplo, acabamos de vivenciar a maravilhosa experiência de ouvir nossos responsáveis territoriais do mundo inteiro. São eles que estão com “a mão na massa”, que conhecem as potencialidades, as necessidades e as características culturais e antropológicas das nossas comunidades. Ouvindo-os, emergiu toda a vivacidade e criatividade do “povo de Chiara”, que quer cuidar das diversas formas de desunião e curar as feridas da humanidade que os rodeia. Talvez nem seja necessário que o Centro Internacional dê sempre diretrizes ou oriente o caminho do Movimento. O importante é que o Centro garanta sempre a unidade de toda a Obra e que possa evidenciar o que o Espírito Santo mostra gradualmente para todos.

Aurora Nicosia

Fonte: Città Nuova