Movimento dos Focolares
O cuidado, um novo modo de vida

O cuidado, um novo modo de vida

Os jovens dos Focolares iniciaram a nova campanha #daretocare para cuidar das nossas sociedades e do planeta Terra e serem cidadãos ativos para tentarem construir um pedaço de mundo unido. Entrevista com Elena Pulcini, professora de Filosofia Social na Universidade de Florença, Itália. Elena Pulcini, Professora de Filosofia Social na Universidade de Florença (Itália), há muitos anos dedica-se como investigadora ao tema dos cuidados. Falou sobre o tema durante a primeira transmissão ao vivo #daretocare da juventude do Movimento dos Focolares, em 20 de junho. Qual o impacto da experiência da pandemia que estamos atravessando na sua visão de cuidados? “Acima de tudo, parece-me que surgiu uma imagem dos cuidados como assistência”, explicou Pulcini. Pensemos, por exemplo, no pessoal da área da saúde. Isto despertou elementos positivos, paixões que de alguma forma foram esquecidas, tais como gratidão, compaixão, o sentimento da nossa vulnerabilidade. E isto tem sido muito positivo, porque precisamos realmente dele e precisamos de despertar aquilo a que chamo paixões empáticas. Ao mesmo tempo, porém, a cura permaneceu um pouco fechada dentro de um significado essencialmente carinhoso, aquilo a que em inglês se chama “cure” (cura) e não “care” (cuidado). Os cuidados devem tornar-se um modo de vida”. Queremos sonhar com uma sociedade em que o cuidado seja a espinha dorsal dos sistemas políticos locais e globais. Isto é uma utopia ou é viável? “A cura certamente significa responder a algo. Neste caso, significa perceber a existência do outro. A partir do momento em que percebo isto e não estou fechado no meu individualismo, produz-se uma capacidade que temos dentro de nós de empatia, ou seja, de nos colocarmos no lugar da outra pessoa. Mas quem é o outro hoje? Bem, estão emergindo novas figuras do que consideramos ser o outro para nós. Portanto, o outro hoje é o diferente, são também as gerações futuras, é também a natureza, o ambiente, a Terra que nos acolhe. Portanto, o cuidado torna-se realmente a resposta global aos grandes desafios do nosso tempo, se o conseguirmos encontrar através da capacidade empática de nos relacionarmos com o outro. Não sei se é realmente viável, mas penso que não podemos perder a perspectiva utópica. A responsabilidade não é suficiente, precisamos também cultivar a esperança”. Que sugestões nos daria para agir nesta direção e orientar as nossas sociedades para o cuidado, começando pelas instituições? “Acredito que devemos agir em todos os locais onde operamos para tirar o cuidado da área restrita da esfera privada. (…) Tenho que pensar em mim como um sujeito de cuidado na minha família, na minha profissão de professor, quando encontro um pobre marginalizado na rua ou quando vou nadar na praia, devo cuidar de todas as dimensões. Devemos adotar o cuidado como um estilo de vida que pode romper o nosso individualismo ilimitado que conduz não só à autodestruição da humanidade, mas também à destruição do mundo vivo. Por conseguinte, devemos tentar responder com o cuidado às patologias da nossa sociedade, o que significa educar à democracia. Eu aprecio muito um filósofo do século XIX chamado Alexis de Tocqueville, que dizia que “devemos de educar à democracia”. É uma lição que ainda se deve aprender e acredito que isto significa cultivar as próprias emoções empáticas de modo a ser estimulado a cuidar com prazer, com gratificação e não com compulsão”.

Pelos jovens do Movimento dos Focolares

Cinco anos da Encíclica “Laudato si”

Cinco anos da Encíclica “Laudato si”

Cinco anos após a publicação da Encíclica do Papa Francisco, o paradigma da ecologia integral orienta a leitura deste tempo de pandemia. Entrevista com Luca Fiorani, coordenador de EcoOne. Desde a publicação de Laudato Si, a Encíclica do Papa Francisco sobre os cuidados do planeta, passaram cinco anos. Falamos sobre este assunto com Luca Fiorani, professor nas universidades de Lumsa, Marconi e Sophia, investigador da Agência nacional para as novas tecnologias, energia e desenvolvimento económico sustentável (Enea, Italia) e coordenador da EcoOne, rede ecológica do Movimento dos Focolares. Em tempos de pandemia, que lições podem vir da Laudato Si e do seu paradigma de ecologia integral? Eu penso no “tudo interligado”. Antes da pandemia, o Papa fez-nos saborear o seu lado positivo, isto é, a maravilhosa relação que existe entre os elementos naturais, incluindo a pessoa. A pandemia, por outro lado, sublinhou o lado negro deste “tudo interligado”, porque a atividade humana, que levou à destruição de habitats naturais, e o salto de espécies do vírus de animal para homem estão ligados. Qual é o fundamento evangélico do compromisso com o cuidado da Criação? É o “Ama o teu próximo como a ti mesmo”. Um dos conceitos-chave do Laudate é “ouvir tanto o grito da terra como o grito dos pobres”. É verdade que para o Evangelho a natureza tem valor em si mesma, mas também é verdade que cuidar da natureza significa assegurar um planeta saudável para os mais desfavorecidos e para os nossos filhos. Significa lembrar-nos dos “milhões mais baixos”, esses milhões de pessoas que são vítimas de uma “pandemia crônica” devido a 17 doenças tropicais negligenciadas. O conceito de ecologia integral pode orientar os caminhos futuros? Este é o conceito fundamental de todo o ensino do Papa Francisco, que nos convida a superar o atual sistema sócio-econômico. Hoje vivemos no paradigma da revolução industrial, que considera os recursos naturais ilimitados. Estes recursos, pelo contrário,  são limitados e, por conseguinte, precisamos encontrar um modelo diferente de desenvolvimento que também tenha em conta as necessidades dos povos esquecidos pelas sociedades ditas “evoluídas”. O Laudate apela a uma “conversão ecológica”. O que significa viver os princípios da ecologia integral? A ecologia integral diz respeito não só ao ambiente, mas a todos os aspectos da vida humana, à sociedade, à economia e à política. Portanto, cada um de nós deve tentar mudar as suas vidas a partir, por exemplo, das escolhas dos consumidores. Depois podemos também escolher governadores sensíveis aos cuidados da natureza e fazer campanhas de pressão para o desinvestimento em combustíveis fósseis em favor dos renováveis. Neste ano especial das celebrações da Laudato Si, com que iniciativas estará presente o Movimento dos Focolares? O Movimento participa nas iniciativas da Igreja Católica e nos eventos promovidos pelo Movimento Católico Global pelo Clima, ao qual adere. Além disso, organiza a conferência “Novos caminhos para a ecologia integral” que será realizado em Castel Gandolfo (RM) de 23 a 25 de outubro, cujos pormenores estão disponíveis em www.ecoone.org. O seu último livro intitula-se “Il sogno (folle) di Francesco”. Um pequeno manual (científico) de ecologia integral”. Porque é que se fala de um sonho louco? Porque parece verdadeiramente impossível mudar o curso deste planeta, para um mundo onde todos nos sentimos irmãos e construímos mais pontes do que muros, mas – como disse a fundadora do Movimento dos Focolares Chiara Lubich – “só aqueles que têm grandes ideais fazem história”!

Claudia Di Lorenzi

A quintessência da caridade

Estar confinado muitas vezes testou a nossa caridade. De fato, não é fácil estar  fechados em casa e viver lado a lado. Quando estamos muito próximos, tocamos os limites uns dos outros e eles nos pedem um “algo mais de amor”, que se chama “suportação”. É consolador saber que Chiara Lubich também encontrou esse tipo de dificuldade na sua vida comunitária. (…) Dias atrás, peguei um livro (…) intitulado O segredo de Madre Teresa, de Calcutá, naturalmente. Eu o abri no meio, na parte em que fala da «mística da caridade». Li esse capítulo e outros. Eu me absorvi com muito interesse naquelas páginas. Tudo o que se refere a essa futura santa me interessa pessoalmente, pois, durante anos, ela foi uma preciosíssima amiga minha. Veio-me em relevo, de modo claro, o radicalismo extremo da sua vida, da sua vocação sem meias medidas, que impressiona e quase assusta. Mas, sobretudo, me impulsiona a imitá-la naquele típico empenho radical e sem meias medidas que Deus exige de mim. (…) Animada por essa convicção, retomei o nosso Estatuto, convencida de que encontraria nele a medida e o modelo do radicalismo de vida que Deus pede a mim. Eu o abri e, logo na primeira página, levei um pequeno choque espiritual, como se tivesse feito uma descoberta naquele momento (e faz quase 60 anos que eu o conheço!). Trata-se da «norma das normas, da premissa de qualquer outra regra» da minha e da nossa vida: gerar – assim se exprimia o Papa Paulo VI – e manter antes e acima de tudo (…), Jesus entre nós por meio do amor recíproco. (…) Imediatamente proponho viver essa norma, primeiro no meu focolare e com quem está mais próximo de mim. Nós sabemos: “Quem não tem pecado, atire a primeira pedra”[1]. Também na nossa casa nem sempre tudo é perfeito: uma palavra a mais, minha e de outras, um silêncio prolongado demais; um julgamento apressado, algum pequeno apego, um sofrimento mal suportado. Tudo isso, certamente incomoda Jesus entre nós, quando não impede a Sua presença.  Sei que devo ser a primeira a dar espaço a Ele, aplainando tudo, preenchendo tudo, temperando tudo com a máxima caridade; “suportando” tudo, nas outras e em mim. Uma palavra que geralmente nós não usamos, mas que é muito aconselhada por São Paulo. Suportar não é um ato qualquer de caridade. É uma caridade especial, a quintessência da caridade. Eu começo. E a experiência até que não vai mal; aliás, funciona! Em outros momentos eu teria convidado logo as focolarinas, que moram comigo, a fazerem o mesmo. Agora não. Sinto o dever de fazer primeiro toda a minha parte; e surte efeito. Além do mais, preenche o meu coração de felicidade, talvez porque, assim, Ele volta a tornar-se presente e permanece entre nós. Mais tarde, direi a elas o que vivo, mesmo consciente de que devo continuar a agir assim, como se eu fosse a única a fazê-lo. E a minha alegria chega ao ápice, quando me vêm à mente as palavras de Jesus: “Misericórdia eu quero e não sacrifício”[2]. Misericórdia! Eis a caridade refinada que nos é pedida e que vale mais do que o sacrifício, porque o melhor sacrifício é este amor que sabe também suportar, que sabe, quando necessário, perdoar e esquecer. (…) Este é o radicalismo, esta é a atitude sem meias medidas, que se exige à nossa vida.

Chiara Lubich

(em uma conexão telefônica, Rocca di Papa, 20 de fevereiro de 2003) Tirado de: “Per essere una piccola Maria”, in: Chiara Lubich, Conversazioni in collegamento telefonico, pag. 650. Città Nuova Ed., 2019. [1]              Cf. Jo 8, 7. [2]              Mt 9, 13.

Dialogando com Maria Voce (Emmaus) e Jesús Morán

“O diálogo inter-religioso de Chiara Lubich – diz Maria Voce, Presidente do Movimento dos Focolares – foi uma verdadeira profecia que está se realizando agora como uma resposta concreta às necessidades da humanidade”. O Copresidente Jesús Morán explica como a ética do cuidado é a base do novo Pathway, que será lançado no dia 20 de junho de 2020 pelos jovens dos Focolares. https://vimeo.com/429994305

EUA: entrar no “pecado original do racismo”

EUA: entrar no “pecado original do racismo”

As duas crises que estão abalando o país, pandemia e racismo, poderiam levar a um futuro melhor. Uma participação de Susanne Janssen, diretora da revista Living City. O racismo é um vírus que nunca foi erradicado dos Estados Unidos. Depois da Guerra Civil (1861-1865), a escravidão foi abolida no papel, mas ainda hoje pessoas negras e brancas não são tratadas da mesma maneira. A morte de George Floyd trouxe à tona o problema. Após os oito minutos atrozes em que Floyd implorou pela sua vida serem filmados, não era mais possível afirmar que a culpa fosse somente da vítima; esse vídeo, juntamente com outras tantas pessoas (não só afro-americanas) que se uniram durante as manifestações contra o racismo, representam um sinal que dessa vez havia algo diferente. Esperamos que o que aconteceu não acabe sendo somente uma onda de protestos, mas que traga uma verdadeira mudança. O papel da Igreja Depois de alguns dias de silêncio, a Igreja se posicionou a favor daqueles que protestam contra o racismo. O cardeal de Boston, Sean O’Malley, escreveu que o homicídio de George Floyd “é uma prova dolorosa daquilo que é e foi para os afro-americanos o fracasso de uma sociedade que não está preparada para proteger a vida deles e de seus filhos. As manifestações e os protestos desses dias foram pedidos de justiça e expressões agonizantes de uma profunda dor emocional da qual não podemos nos distanciar”. A conferência episcopal dos Estados Unidos afirmou que o racismo é como o pecado original dos Estados Unidos, que acompanha o crescimento da nação e a impregna até hoje. Os espaços de reflexão estão se intensificando na igreja e na sociedade. Os primeiros passos Com o slogan “cortar os recursos”, pretende-se ir além de uma simples operação de reestruturação da polícia. A intenção é começar tudo de novo e dar vida a uma polícia mais sintonizada com os cidadãos. Nos últimos anos, fala-se muito da sua progressiva militarização, mas, na verdade, também deve-se dizer que muitos dos deveres que cumpre caberiam aos assistentes sociais. Diferentemente dos casos de violência contra afro-americanos que ocorriam no passado, atualmente muitas pessoas procuram aprender, escutar e confrontar o passado, concentrando a reflexão nos problemas estruturais que permaneceram depois da abolição da escravidão e naqueles ligados à segregação, como as assim chamadas leis de Jim Crow e a lei sobre direitos civis de 1964. Sim, porque encarar os preconceitos que estão dentro de cada um e os privilégios sociais de que gozam os brancos já é um primeiro passo. Dois autores, Ibram X. Kendi e Robin DiAngelo, afirmam que é necessário um passo que vá além de “ser uma boa pessoa”. É preciso, em vez disso, combater as estruturas de opressão. Ainda hoje, em uma situação cotidiana como uma blitz policial, a cor da pele pode fazer a diferença entre a vida e a morte. A contribuição do Movimento dos Focolares Em primeiro lugar, as comunidades do Movimento dos Focolares estão examinando se internamente há discriminação e racismo. O pensamento do Movimento sobre a justiça racial é um ponto de partida para começar um diálogo sincero entre nós e com as pessoas ao nosso redor. Vamos dar espaço para os testemunhos dolorosos de racismo, mas também para as experiências de quem cresceu em um contexto de privilégio dos brancos e tenta começar um processo de reconhecimento dos próprios limites. Essas conversas não são fáceis, mas são necessárias para reconstruir relacionamentos verdadeiros. “Se não ficarmos atentos, acabaremos aceitando os princípios da retórica comum sobre a diversidade que muitas vezes apoia os privilégios e acentua as diferenças”, afirma uma docente latina negra. Um acadêmico de mais de 80 anos contou como teve de aprender a ser mais aberto em sua vida, sobretudo quando uma de suas filhas se casou com um jamaicano: “Pensei que seus filhos sofreriam discriminação. Mas agora vejo como são um exemplo luminoso para muitas pessoas”. O papel dos jovens Os jovens estão na linha de frente e pedem uma mudança de mentalidade. Uma jovem mestiça diz: “Quero ajudar meus irmãos e irmãs para que sejamos mais ouvidos, do contrário, me arrependerei por toda a minha vida…”. O slogan “Black Lives Matter”, que uniu tantas pessoas e encheu as ruas, também é alvo de polarização. Não raramente, nos deparamos com mensagens que procuram desacreditar quem luta por mais justiça, mas pouco a pouco nota-se uma mudança na opinião pública. De fato, muitas pessoas condenam o modo com o qual o presidente Donald Trump lidou com as crises recentes: a pandemia e o racismo estrutural. Por enquanto, o candidato do Partido Democrático, Joe Biden, tem uma vantagem nas sondagens de 13%, mas ainda é cedo para dizer como estará a situação em novembro, quando os estadunidenses irão às urnas.

Susanne Janssen, diretora da revista Living City