Paola Iaccarino Idelson é uma bióloga nutricionista, especialista em alimentação. Mora em Nápoles, no sul da Itália. Eu soube, por meio de uma amiga querida, que ela viajou para o Brasil durante o verão deste ano. Curioso, tentei encontrá-la nas redes sociais. Fiquei encantado com as fotos lindas de sua estadia no Brasil e com as histórias intensas que revelam uma experiência profunda. Portanto, decidi contatá-la para uma entrevista.
Paola, de Nápoles para o Brasil: por que decidiu fazer essa viagem?
É uma longa história. Estive no Brasil pela primeira vez há 14 anos, em Florianópolis. E fui para lá porque sou apaixonada pela língua portuguesa. Não queria ir como turista, então, por meio de uma amiga que é médica, fui ajudar um colega dela, como voluntária. Acompanhamos um sacerdote em sua missão cotidiana. Ele tinha aberto uma escola para ajudar adolescentes a não entrar no crime, e abriu uma oficina de conserto de pranchas de surfe, para oferecer um trabalho digno aos jovens do local. Durante três semanas, pesei e medi as crianças daquela escola: foi uma experiência tão forte, intensa e bonita que, quando voltei para a Itália, tive de removê-la da minha mente para pode continuar a viver a minha vida como antes.
E depois? O que aconteceu?
No ano passado, terminei com o meu namorado, que não gostava do Brasil. Então disse a mim mesma: chegou o momento de retomar aquele sonho. Porém, dessa vez, eu também queria fazer uma experiência não como turista, mas ajudando a comunidade local de alguma maneira. Falei com uma amiga focolarina, e ela me colocou em contato com a comunidade do Movimento dos Focolares da Amazônia.
Eu queria fazer um trabalho voluntário como nutricionista, a minha profissão, mas estava disposta a tudo. Uma das focolarinas do Brasil, Leda, me falou sobre o Barco Hospital “Papa Francisco”, no qual eu poderia trabalhar. Então, no fim, parti em agosto de 2024. Leda foi um anjo, organizou todo o meu itinerário, colocando-me em contato com a comunidade do Movimento dos Focolares e cuidou de mim durante todo o período em que estive no Brasil.
O Barco Hospital Papa Francisco: o que você fez lá?
Não havia um trabalho específico para mim, que sou especialista em alimentação. Havia uma dezena de médicos, cada um com o seu consultório. Ajudei como podia. O despertador tocava às 6h da manhã porque, a partir das 6h30, já chegavam pessoas de vilarejos próximos para as consultas. Era preciso acolhê-los, cadastrar quem chegava e controlar o fluxo. Fiz consultas nutricionais e entendi que havia um problema de sobrepeso e obesidade, principalmente entre as mulheres. Então, me perguntei muito sobre as razões daquelas condições de obesidade, era um problema bem comum naquele lugar. Falando com algumas pessoas, percebi que havia um problema de sedentarismo e de difusão do consumo de bebidas cheias de açúcar, doces e carne.
Você pôde ver com os próprios olhos tanta pobreza…
Vi pessoas realmente pobres, mas muito dignas, que conseguem fazer dar estudo aos filhos. Fiquei muito tocada com uma família. Eles têm 10 filhos, via-se que viviam em condições muito precárias. O pai também tem algum problema de saúde. Apesar disso, os pais conseguiram fazer com que os filhos estudassem e uma das filhas está para se formar como fotógrafa. Uma grande dignidade, apesar daquelas condições de vida.
Você viu a abundância de diversidade, natureza, cor de pele das pessoas, comidas, cheiros, sabores…
Foi uma das coisas que mais me marcou nesta viagem e que levarei comigo. Uma diversidade enorme no modo de viver, principalmente a variedade incrível de frutas, verduras, cereais, flores, plantas, as cores dos rios, os animais, as pessoas. Quando eu cadastrava quem chegava para as consultas, havia um campo no software para preencher a cor da pele e eu tinha quatro opções ligadas à diversidade das etnias, das origens, da cor da pele… Viver essa diversidade foi uma experiência forte e tenho certeza de que é só uma grande riqueza.
Como a comunidade do Movimento dos Focolares a acolheu e ajudou nessa experiência?
Foi fundamental em toda a minha experiência no Brasil. Eu me senti acolhida em todos os lugares por onde passei. Vi com meus próprios olhos a arte de amar a todos. Sempre senti um amor para comigo, uma abertura muito grande e desinteressada. Isso me fez muito bem, realmente uma acolhida comovente.
Você foi para lá para doar tempo e profissionalismo, mas recebeu muito mais. Essa viagem mudou um pouco a sua vida?
Olha, eu tenho 50 anos, não 20. Mas por que estou dizendo isso? Porque aos 20 anos, ou talvez aos 30, ainda tinha a ideia de ir a um lugar para doar. Agora, é muito, muito claro para mim que a possibilidade de me doar me restitui alguma coisa. Eu sabia muito bem que a palavra “voluntariado” incluía bastante coisa. Doar o próprio tempo faz bem. Primeiramente a quem o doa. Eu, com certeza, fiz uma experiência de partilha muito forte com a comunidade do Movimento dos Focolares. Apesar de não conhecer tão bem a espiritualidade, aprecio bastante todas as suas outras formas de expressão do amor concreto. Acho que foi uma experiência realmente muito, muito, muito bonita. Essa ideia de poder viver juntos, colocando em comum tudo o que tem, é justamente a ideia da comunidade. Poder fazer o bem aos outros e viver com os outros é uma coisa de que eu realmente gosto muito.
Essa viagem me enriqueceu demais. Teve e terá um grande impacto na minha vida. Ela me fez conhecer pessoas maravilhosas, realidades completamente diferentes da minha. Entendi que a partilha é realmente possível.
Quando você voltou para Nápoles, teve uma acolhida inesperada!
Sim, muitas pessoas que encontrei quando voltei, e que ainda encontro hoje, me dizem que leram meus diários de viagem nas redes sociais, e me agradecem por ter compartilhado essa experiência. Estou recebendo muitos agradecimentos e várias pessoas me dizem que querem saber mais sobre essa viagem. Então, tive a ideia de organizar as fotografias e mostrá-las em um evento, no qual também posso contar alguma coisa a mais. Isso me tocou muito: vivemos em uma sociedade na qual não existe mais tempo para os relacionamentos. Ouvir pessoas me pedindo para passar um tempo juntas para saber mais sobre a minha experiência é algo muito lindo.
Para concluir, vamos rebobinar a fita e olhar tanto para a primeira quanto para a segunda viagem ao Brasil: como você vive hoje a sua vida?
Minha primeira experiência brasileira de muitos anos atrás, como eu disse, tive de removê-la. Agora, estou fazendo um grande esforço para não remover essa última viagem, para não esquecer, para manter essa experiência também na minha vida em Nápoles, na Itália. Quero manter essa memória viva. Por quê? Porque tem um sentido na minha vida que me dá tanta força e me gratifica muito.
A primeira coisa que fiz, ao voltar a Nápoles, foi contatar novamente a minha professora de português, que é brasileira, para aprender melhor a língua. Outra coisa que eu gostaria de fazer é uma geminação entre uma escola infantil napolitana e uma brasileira, que está sendo construída. Seria lindo ajudar aquelas crianças, enviando mochilas e todo o material necessário. Mas, sobretudo, gostaria de fazer com que compartilhassem as experiências entre crianças brasileiras e italianas.
Lorenzo Russo
(foto: © Paola Iaccarino Idelson)
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